A fisiologia do parto, ou como perdi o controle para ganhar a minha filha

A fisiologia do parto, ou como perdi o controle para ganhar a minha filha

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Eu não sou profissional da saúde e nem quero romantizar o meu trabalho de parto. Aqui, vou dar meu relato e contar todos os eventos fisiológicos que acontecem e por vezes são deixados de lado.

Eu sou uma mulher controladora. Quando digo isso, quero que você saiba que desde o início da gravidez eu já fazia exercícios para a pelve e contava as semanas de gestação no calendário.

Eliminei todas as possibilidades de precisar de um parto hospitalar, já que minha primeira opção era um parto humanizado com a Casa Ângela, que realiza apenas partos de grávidas de baixo risco. Minha mala de maternidade estava pronta desde a 35.º semanada de gestação.

Meu maior medo? Sofrer violência obstétrica no parto.

Não é por menos: pelo menos 45% das mulheres passam por isso durante o pré-natal, parto ou puerpério. Por este motivo criei um plano de parto com sete páginas. Estudei, me informei, “paranoiei” (RS) tudo o que podia.

As semanas de gestação se passaram e nenhum sinal de trabalho de parto

Segundo os protocolos no Estado de São Paulo, uma gravidez de baixo risco a termo vai apenas até as 41 semanas, sendo necessária intervenção hospitalar. Após este período pode haver parto hospitalar de baixo risco até as 42 semanas, mas normalmente com equipe particular e consultas diárias de pré-natal.

Tentei de tudo: acupuntura, descolamento de membrana, chás, caminhada, sexo e nada de trabalho de parto. Chorei, me desesperei e conversei muito com a minha doula.

A cada dia que passava, a esperança de ter meu parto natural humanizado desaparecia, e o medo de ir para um hospital aumentava.

Com 40 semanas e 5 dias, tive uma alteração no meu exame de cardiotocografia (que avalia os batimentos do bebê fora e dentro das contrações), que me levou a um encaminhamento para o meu hospital de referência.

Ali, eu e meu companheiro teríamos que fazer uma escolha: Eu poderia ir até à casa de parto, porém, avaliada qualquer alteração, eu seria encaminhada para um hospital que não era da minha referência, e com piores índices de violência*.

*Todo parto no SUS é feito com plantonistas. Há a possibilidade de haver um ótimo plantão em um péssimo hospital, ou o contrário. O que te protegerá, aí, será o plano de parto e um acompanhante extremamente bem treinado.

Após conversarmos com a doula decidimos ir para o meu hospital de referência: Amparo Maternal. Lá, repeti o exame cardiotoco onde foi constatado que eu estava com 6 cm de dilatação, porém sem trabalho de parto ativo. Assim, foi sugerido uso do misoprostol e eu fui encaminhada para a internação por volta de meio-dia e meia.

Para a minha surpresa, estive com enfermeiras que conheciam e indicavam a Casa Ângela, e apoiavam a minha escolha pelo parto normal.

O parto

Depois de alguns exames, conversaram comigo e com meu companheiro sobre uma mudança de protocolo, do misoprostol para a indução por ocitocina, ou o rompimento da bolsa de águas. Optei pela ocitocina. Às 17:12, exatamente, começou a indução.

A cada 12 mg, eu ficava mais ansiosa (e preocupada), já que ainda não percebia contrações nem rompimento de bolsa. Até que às 20:50, minha bolsa estourou e aí vieram as contrações.

Foi aí que o bicho pegou. Elas vinham a cada três minutos, intensas pelo uso medicamentoso da ocitocina artificial (conhecida por acelerar o parto, mas também por contrações mecânicas mais dolorosas). Eu urrava. Andava pelo quarto de indução, até ir para a sala de parto e conseguir entrar no chuveiro.

Nada do que eu aprendi com a minha doula eu consegui seguir durante as contrações: todo carinho ou massagem do meu companheiro pareciam um soco, e eu não queria ele encostando em mim. Só conseguia ficar de quatro apoios, ou agachada.

Diz ele que eu parecia um gato, com as luzes desligadas, no canto do quarto, RS. Tudo o que um parto fisiológico teve, eu tive: vômitos e diarreia. Era impossível não gritar. Eu tentava não pensar em cesárea, e ignorar algumas das enfermeiras que não eram tão acostumadas com a humanização do parto.

Para ser honesta, se eu tivesse pegado o nome da fulana que disse “Ai, não farei parto no chuveiro não!” ou “Aqui é assim mesmo” quando eu disse que fiz um exame de toque há menos de 10 minutos e me negava ao próximo, eu a denunciaria. Porém, não peguei o nome na hora e depois deixei para lá, já que no momento não tinha controle sobre nada.

Eu não tive a chamada “partolândia” onde as mulheres descrevem perda de sentidos, uma viagem próxima ao de alucinógenos, perda de noção de espaço e tempo. Eu vivi tudo, talvez pela medicação que estava ainda nas minhas veias, não saberia dizer.

Depois de 2 horas e 20 min de trabalho de parto ativo, veio o expulsivo: uma vontade enorme de fazer força, e uma dor que eu jamais saberia descrever.

Tudo o que eu li em guias de parto nesse momento não fez sentido porque a dor era gigantesca.

Eu só pensava nos mantras que aprendi: “Cada contração é minha filha chegando mais perto para me conhecer.” “Essa dor é uma dor com propósito, com sentido. Não é uma dor de sofrimento.”

Foi assim que eu consegui passar mais cinquenta minutos fazendo força, até que, após minha filha coroar, com três contrações, ela nasceu.

Tudo o que dizem é verdade: toda a dor alucinante que você sentiu vai embora. Toda, mesmo. Vem uma chuva de hormônios e eu mesma demorei um pouco até para entender que ela havia nascido.

Meu companheiro, após limpar meus dejetos e vômito várias vezes (eu disse que seria fisiológico RS), só conseguia chorar e eu só ria (talvez pela ocitocina medicamentosa, talvez pelo sentimento maluco que dá depois que você passa três horas e meia expurgando um serzinho para fora de você).

Não liguei para mais nada. Tomei 4 pontos por uma laceração grau 1. Algo que eu tinha muito medo que acontecesse, mas sinceramente? Os pontos foram bem tranquilos e eles dão anestesia, então se você é gestante e está lendo isso, esse é o menor dos seus problemas acredite.

Eu tive que abrir mão de todo o meu controle para prezar pela saúde da minha filha, e faria tudo de novo. O parto correu tranquilo, e apesar de hospitalar e com indução, não houve mais nenhuma intervenção. Nem puxo dirigido, nem manipulação de períneo, Kristeller, episiotomia. Minha filha nasceu na cama do hospital, e veio direto pros meus braços.

Após esta experiência gostaria de compartilhar alguns conselhos para outras mães:

1 — Não leve a sua palavra como a final. Talvez você chegue à tão sonhada partolândia. Talvez você tenha um parto orgásmico. Talvez nada saia do seu controle. Apenas esteja preparada.

2 — Tenha uma doula. A minha, infelizmente, não pôde estar comigo no momento do parto por conta dos protocolos do hospital, porém, ela fez uma diferença enorme durante toda a minha gestação e até agora no puerpério. Para quem quiser conhecer o trabalho da minha doula, sugiro o insta dela @gabi_adsr.

3 — Informe-se sobre tudo o que você puder, não só se você for ter um parto no SUS. Inclusive, é até mais recomendado que você estude caso tenha plano de saúde. A taxa de cesariana eletiva e desnecessária chega até 98% em alguns hospitais particulares, contrariando a indicação da OMS que seria de 15% de cesarianas.

4 — Sigas mulheres que falem sobre gestação, gravidez e puerpério com embasamento científico, e ainda assim, mantenha o olho aberto para discursos pouco embasados.

Eu indico a @melania44, a @drajanuzzi e a @amamentandoagenteseentende.

Texto: Pryscila Colasso – @ilacmoreira
Revisado por: @giselesertao

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