Mulheres-mães protagonistas da própria história

Tudo é remoto, menos a maternidade

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Tudo é remoto na pandemia: médico, mercado, aulas, conversas… só a maternidade que não. Segue cada vez mais presencial, solitária, isolada, sufocada. Ela, seu bebê e sua maternidade, apenas.

Essa é uma mãe comum, com seu bebê, seu casamento, sua casa, seus gatos e plantas.

E sua faculdade, com aulas para assistir, textos para ler, outros tantos a serem escritos, atividades sem fim para serem entregues, datas e prazos chegando. 

Em tempos remotos, ela faz tudo com o bebê no colo, inclusive, hoje irá apresentar um seminário dessa forma. É a única forma possível. 

Passa o final da tarde organizando e deixando tudo de fácil acesso para a hora da apresentação: garrafa de água ao lado do computador, bolachas para ela enganar a fome, fruta picada para o pequeno comer, enquanto ela se apresenta. 

Quando finalmente sentar, tem que revisar sua fala, reler e ajeitar algumas coisas no slide. Isso tudo com o bebê no colo, puxando os fios e molhando o sofá de xixi. A fralda vazou. 

Faltam 15 minutos para ter que acessar o link da aula síncrona.

Ela corre, tira a colcha do sofá, estica no varal, passa um pano com desinfetante na mancha molhada, tira a roupa do bebê, passa um lencinho nele e um creme pra ficar cheiroso (Hoje não vou ter cabeça de dar banho nele, pensou), pegar uma muda de roupa limpa e o veste. 

Isso tudo correndo contra o tempo, abrindo email para pegar o link da aula e lutando com o computador pra ele carregar logo a janela. Não pode se atrasar.

E com um bebê berrando irritado, pois odeia trocar de roupa, e ele está com fome, então chora mais irritado ainda. 

Ela também está com fome, mas não teve tempo hoje para almoçar, e também não terá para jantar, então engole algumas bolachas e água. 

Ela senta no computador, dá um pedaço de maçã para ele, a aula começa. A professora pede para o seu grupo iniciar as apresentações. 

Pelo menos nisso mãe tem vantagem. Sempre somos o primeiro grupo a apresentar. 

Me livro logo e posso dar janta para ele se acalmar, enquanto ouço os outros trabalhos. E ela abre sua câmera e microfone, espera alguns segundos antes de iniciar sua fala. 

Todo trabalho que apresenta, é essa comoção por conta do bebê risonho em seu colo.

Trabalho apresentado, e com o bebê no colo. Todos viram quando ele se engasgou com a maçã. Quando ele puxou o cabelo dela. Quando pegou o óculos da mãe e o jogou. 

Quando ele chorou pedindo água mas ela demorou 3 segundos, apenas para poder terminar de ler a citação do slide e não se perder no raciocínio.

Todos ouviram quando ele espirrou.

E quando arrota também. Todos acharam graça, riram com a fofura do bebê. “Filho é uma benção, traz alegria para a casa.”, diziam os colegas no chat da aula. 

Mesmo ela amando seu bebê, não há muitas alegrias na sua maternidade. Há exaustão. Há sobrecarga. Em muitos momentos, há culpa. Mas todos estão vendo só as risadas do bebê. 

Ninguém vê as lágrimas da mãe. 

O pai chega do trabalho, “Como foi o dia de vocês?”, perguntou ele. Ela apenas responde com um “Normal, nada demais, mais um dia comum, nenhuma novidade.”

Ela não quer alongar o assunto, está exausta. Apenas espera o marido chegar em paz, tomar um demorado banho com tranquilidade, e colocar uma roupa confortável.

E após ele jantar calmamente, ela entrega o filho para ele. “Já deu banho nele?”, questiona o pai. “Não, amanhã dou mais cedo, tô muito cansada hoje, apresentei seminário.” Mais nenhuma pergunta ou conversa.

E a mãe ainda tem que lavar a louça, lavar a mamadeira, fechar os lixos, por roupa pra bater e tirar as que estão no varal, ajeitar a cama e o berço, e recolher os brinquedos pelo chão. 

Enquanto isso, o pai prepara o bebê para dormir, dá o leite e troca a fralda, o aninha e o acalma no colo. A mãe entra no chuveiro e debaixo da água quente, suas lágrimas rolam. Ninguém vê as lágrimas da mãe. Nem mesmo ela.


Texto: Bruna Quaglio tem 29 anos e dois filhos (uma de 11 e um 1 ano). Na pandemia gestou, pariu e estudou, só não se formou. Entre textos e cuidados, procura estágio.
@bru_na.patricia escritora e fundadora do @geaad_a.


Revisado por Cristiane Araújo.

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