“Eu não posso acreditar nisso”, – Wemyly mastigou as palavras olhando para a cartela pequena de remédio, “eu não posso acreditar que esqueci, meu Deus do céu, não é possível, ” – ela a cartela de remédio e constatando que o comprimido do sábado estava ali, bem tranquilo, como se não soubesse o que estava fazendo em sua vida. Ela tirou o comprimido do sábado, juntou-o ao de domingo e engoliu.
– Você tem certeza disso? Talvez tenham trocado o exame…
– Não diga bobagens, Bel, olha aqui, deu positivo. E confesso que seria muita sorte minha, se ele tivesse sido trocado. Meu Deus, como eu vou contar isso para os meus avós?
– Eu não sei, minha amiga, mas estou sofrendo com você.
– Bel, como vou dizer para a dona Nora que não poderei mais ir estudar em Cuba? Ela vai ficar decepcionada comigo…
– Eu não sei, olha lá o seu ônibus, – Bel disse acenando para o coletivo, despedindo-se da amiga.
– Eu não posso ir, dona Nora, estou grávida.
– O que estás a me dizer, Tica? Não é possível, tu és apenas uma menina. Mas não te desespere assim, aborta e segue para Cuba. Bote fora esse embaraço.
– Eu não posso, dona Nora, não posso. Eu sinto muito.
Wemyly tinha pedido a Deus que mostrasse para ela se devia ir ou não para Cuba, deixar sua família, seguir para um país estranho, mas nunca imaginou que sua resposta seria um filho.
– É uma menina, doutor?
– É um menino, um menino forte e bonito!
Wemyly chorou quando seu seio ferido foi sugado pelo menino que parecia desesperado de fome, jurando para si que aquele seria o último dia que amamentaria, e chorou a dor que aquilo custou.
– É a nossa menina! – Wemyly afirmou para o marido de cara amarrada.
– Nossa não, sua! Eu só faço menino.
Wemyly juntou aquilo a muitas outras coisas e um dia separou do pai de Brenda, levando consigo seus dois filhos. Não importava para ela quem eram os pais, mas sim quem era a mãe, e era ela.
– Mãe, a senhora está bem? Está com dor?
– Um pouco, filha.
Wemyly fechou os olhos para esconder as lágrimas, e pensou que seria melhor se fosse mesmo a cegonha que trouxesse os bebês e que as mulheres não precisassem sofrer tanto assim.
– O que foi, mãe? – Brenda indagou acariciando o rosto da mulher que tanto amava, e depois a barriga grande e pesada, – quer um suco? Eu vou buscar.
Wemyly agradeceu.
– Mãe, ela é linda! Parece com um joelho, estou brincando, mãe, ela é linda!
– É a Vitória da minha vida, – afirmou o pai de primeira viagem.
– Tem certeza que quer fazer isso, Wemyly? Não poderá mais ter filho…
– A senhora deve estar brincando, doutora, por favor, faça logo isso. Eu tenho trinta e oito anos, três filhos, um de cada pai e a senhora ainda me pergunta se tenho certeza? É claro que sim.
– Mãe, a senhora pode ir tranquila, pode fazer seu curso superior, eu cuido dela.
– Você ainda é uma criança, filha.
– Já tenho doze anos e sei muito bem cuidar dela, depois é só uma vez na semana, pode ir tranquila.
Wemyly terminou seu curso superior.
– Mãe, eu preciso te contar uma coisa, – Brenda anunciou, enrolada na toalha, sentando-se de frente a Wemyly ali na sua cama.
– O que foi, filha?
– Eu preciso te contar uma coisa, mãe, mas não sei como começar… Eu…
– Você está grávida?
– Não, não é isso, mãe. Eu…
– Pelo amor de Deus, não me diga que está usando droga…
– Não, mãe, claro que não, que não sou doida, né?!
– E o que é? Conta logo que já estou ficando preocupada.
– Eu, mãe, eu não gosto de menino, sabe… eu gosto de menina…
Wemyly ficou parada sobre a cama, com as pernas cruzadas, olhando com os olhos marejados e escorridos feito um riacho para a filha.
– Mãe, me perdoa, eu sinto muito se não sou a filha que a senhora queria…
– Não diga isso, por favor, eu só precisava desses segundos. Filha, eu a amo mais do que tudo nessa vida, – a mulher disse trazendo-a devagar para o seu abraço, – não importa o que a nossa família ou quem quer que seja fale, eu estarei com você até a morte. Eu tenho orgulho de você, talvez outra no seu lugar não teria coragem de assumir.
– Eu sou sua filha, mãe, e o seu amor sempre me deu certeza de que poderia contar com a senhora, – as duas choraram abraçadas.
– Mãe, como vou contar para ela? Ela é tão pequena, será que vai entender?
– Irmã, eu sei que você não namora menino, sei que namora menina, e eu te amo do mesmo jeito.
– Eu quero me separar de você, – Wemyly afirmou depois de muito pensar, – não posso mais continuar casada. – Era o fim do seu segundo casamento.
– Mãe, sopra a vela, está demorando demais. Faça os seus pedidos! – Vitória disse eufórica.
Wemyly sorriu. Fechou os olhos depois de cobrir o azul claro do céu, abriu-os e caminhou pelo rosto bonito do seu primogênito. Depois cobriu o sorriso lindo da sua menina que gostava de menina e por fim contemplou beleza da sua Vitória. E falou com Deus.
– Nós já sabemos qual é o pedido dela, não é verdade? – Willians indagou para a irmã, que meneou a cabeça levemente para baixo e para cima.
A festa de oitenta e cinco anos de Wemyly reunia seus maiores amores, os filhos, os netos e os bisnetos, sobrinhos e algumas amigas de escrita.
– Eu peço aos meus Orixás, – a voz embargou, – que me abençoem com a morte do corpo, quando a minha memória ameaçar-me de esquecer vocês! E que quando eu partir, vocês continuem unidos.
– Meninas, – Willians chamou, – não vai ser fácil, – ele limpou as lágrimas, – não vai ser fácil sem ela, mas nós vamos continuar unidos, não somente por ela, mas por que aprendemos o amor que ela nos ensinou.
Ele pegou a caixinha de música que havia dado para ela no seu aniversário de oitenta e cinco anos, pediu ao marinheiro que parasse o barco em alto mar, abriu a caixinha, tirou um punhado de cinzas, entregou para cada uma das irmãs.
– Voa, meu amor! – E sopraram devagarinho, quando um vento manso veio levando as cinzas daquela mulher que havia feito pelos filhos tudo o que o seu amor ditou.
– Um brinde a ela! – As taças tocaram-se e o champanhe misturou-se com o sal das lágrimas daqueles filhos que amavam!
Edy Tavares – @edytavaresescritora





