Ir ao mercado, para mim, para nós, era uma atividade cada vez mais difícil: o bebê sempre pendurado no peito, forçando minhas costas feitas pó, a mente tão confusa que me fazia esquecer metade das coisas.
As luzes, as cores e o barulho deixavam o bebê muito irritado… e a mim também.
O tempo de espera na fila, que não avançava, era eterno. De nada servem os caixas preferenciais se só tem um atendente muito lerdo e é justamente a fila mais longa de todas. De nada servem as filas preferenciais, porque a maternidade real não é prioridade social. Somos prioridade no papel, e só.
O bip-bip dos códigos de barras me deixava nervosa, fazia minha cabeça estalar depois de um dia inteiro ouvindo choros.Eu ainda não sabia da minha neurodivergência. Só soube depois de alguns anos de sobrecarga sensorial paralisadora.
No mercado, a cria chorava, puxava meu sutiã — ele não entendia o que acontecia.
Nossa casa era tão silenciosa, lá reinava a paz. Por que ele devia passar por isso?
Às vezes, eu precisava sair. Por que eu não ia ao mar com ele?, me perguntavam. Ficava tão perto… Mas tudo parecia longe. Tudo me custava um esforço desproporcional, como se o mundo tivesse ficado mais pesado desde que pari.
Resolvi tentar ir sozinha e não mais levá-lo comigo para essas compras mas, para isso, eu precisava de alguém que ficasse com ele em casa. Só éramos eu e meu companheiro, o pai, e às vezes meu irmão, que não morava perto e também trabalhava muito.
Fazer um bate e volta ao mercado não deveria exigir tanto protocolo. Só queria buscar minhas coisas, a 200 metros de casa. Porque isso parecia tão difícil de se concretizar?
Quando eu conseguia deixar meu filho com alguém e sair sozinha, tão puérpera, tão entregue ao choro em cada canto, me sentia mais leve por não carregar o bebê, nem a mochila que já não era minha, era dele.
Mas me sentia incompleta.
Ainda não sabia onde meu corpo acabava e onde começava o dele.
E, na fila, sentia que me faltava uma parte, algum membro, um órgão.
Nessas ocasiões, o bip-bip dos códigos de barras competia na minha cabeça com um choro que vinha da minha casa e atravessava o espaço que me separava do meu filho.
Queria voltar desesperadamente.
Esse desespero me fazia esquecer o que fui comprar.
Me repetia: Ninguém te apressa. Teu filho está com um cuidador. Está sendo atendido. Mas eu estava apressada — do mesmo jeito que tomava banho apressada, ia ao banheiro apressada, bebia meu café apressada.
Mesmo quando o bebê não me demandava.
Vivendo apressada — caso ele acordasse, caso precisasse de mim e eu estivesse ocupada.
Eu não queria que ele morresse por minha causa, e a sensação de que eu seria responsável pela morte dele me perseguia.
Me culpava porque, ao ir ao mercado, evitava dar um beijo de despedida para não acordá-lo. E durante a meia hora ou quarenta minutos que passava fora, me culpava.
E se algo acontecesse e eu não tivesse conseguido olhar para ele e dizer: “Mamãe já volta.”? E se eu não tiver me despedido?
Eu ainda não entendia que era responsável pela sua vida, e não pela morte, que sequer tinha acontecido, mas me rondava como uma sombra silenciosa.
A possibilidade de que pudesse acontecer me deixava louca. Ansiosa. Apressada. Perturbada.
Puérpera 24 horas por dia, durante meses.
Não sabia viver com ele — também já não sabia viver sem ele.
Não sabia mais quem eu era.
Na fila, só pensava em tragédia. Meus seios coçavam. A fila parecia crescer.
Todas as filas eram longas.
Eu sofria.
Puérperas também deveriam ter prioridade, né?
Meu companheiro costumava ir ao mercado para me aliviar.
Mas às vezes eu ia, só para olhar algo diferente das roupinhas, fraldas, tatames.
A pandemia tornou a vida uma repetição de olhar fixo na casa, no convívio com o material, com o concreto.
Às vezes, eu precisava ir ao mercado só para dar realidade a essa sensação de precisar tantas coisas.
Nomear algo que me deixasse satisfeita. Ou em paz.
Queria comer tanto… comer chocolates e comer vida. Comer gente variada. Ar fresco. Árvores, nem que fossem de cidade.
Precisava consumir algo que me afastasse da repetição de acordar para me perder, dia após dia, nos cômodos da casa, nas trocas de fralda, na entrega do meu corpo para um serzinho que só queria mamar, me tocar.
Passei a ir ao mercado cada vez menos.
Até que eu desisti totalmente.
Eles pensam que sou cômoda. Que sou afortunada por ter quem faça as coisas por mim. Mas, nem me gasto em explicar.
Porque não é sobre ir ao mercado. Nunca foi. É sobre ser autorizada a viver — como mãe, como mulher puérpera, como um corpo cansado, partido, mas ainda vivo.
Sobrevivendo às idas ao mercado e além.
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Autora: Mercedes Arana / @merceditasarana





