O que é ser desnaturado?
Significado:
Que se desnaturou. Que não tem os sentimentos naturais; desumano; cruel: filho desnaturado. Desnaturado é sinônimo de: desumano, descaridoso, descaroável.
Estes dias vi uma pesquisa que levou aos textos do blog e que me deixou pensativa sobre o assunto: “O que é ser uma mãe desnaturada?“. Quem nunca ouviu essa frase ou falou ela, que atire a primeira pedra. Mas o buraco é bem mais embaixo do que imaginamos. Como disse, fiquei pensativa sobre o que é ser uma mãe assim, pensei na educação que dou ao meu filho, pensei na educação que outras mães dão aos seus e cheguei à conclusão: NÃO EXISTE MÃE DESNATURADA, o que existe são pessoas que não cuidam da própria vida e amam cuidar da vida das outras pessoas, além disso, podemos levar esse ponto para o lance da romantização da maternidade. Eu escrevi um texto uma vez aqui sobre culpa que pode ser usado para base neste aqui também.
Nós mães estamos cansadas de saber que a romantização vem láááá das antigas, onde nos colocam como um papel apenas de criação, esquecendo que somos mulheres e até, olha só, humanas, que erramos, cometemos falhas, acertamos, voltamos atrás ou deixamos como está. Colocam a mulher-mãe num papel que ela não deveria estar. Esquecem que além de tudo, somos mulheres. Onde eu quero chegar com tudo isso? Quero chegar no ponto onde a sociedade cobra de nós, ações que elas julgam ser corretas sobre a criação dos nossos filhos e que, se não seguirmos esses “padrões” ou dicas, ou ações ou seja lá o que for, somos consideradas desnaturadas.
Isso em QUALQUER escolha/contexto da criação. Por exemplo, se você é vegana e não dá produtos de origem animal pro seu filho, é desnaturada, pois está o privando de proteína, se você dá carne pro seu filho, também pode ser uma mãe desnaturada, pois onde já se viu, a carne tem muita coisa de ruim e faz mal à criança. Ou se você não conseguiu amamentar por “N” motivos até os 4 anos, porra, que mãe você é, a alimentação deve ser exclusiva de leite materno, ou se você amamenta até os 7, nossa, para que deixar a criança pendurada no peito até essa idade; “Essas mães desnaturadas, viu”. Entende?
Não vou citar todas as experiências maternas e de criação aqui, porque tudo nem sempre é uma escolha, elas acontecem por vivências, por contextos sociais e porque tem de ser, então, dizer que uma mulher é desnaturada por não seguir o que acham correto que ela faça com sua cria, é julgar e você está fazendo isso errado.
Existem outras situações que podemos colocar não como desnaturados, mas negligencias, casos graves, porém, esse não é o assunto deste texto (podemos falar nisso num próximo, pois é muito delicado). O ponto aqui são: Julgamento e culpa, este que a sociedade é expert em fazer com mulheres/mães, nos colocar em certo papel que nós, não vamos cumprir, nossas mães, nossas avós cumpriram, mas somos uma geração que não vai deixar isso acontecer, de novo.
Perguntei para algumas mães o que é ser desnaturada para elas e se elas já se sentiram neste papel, veja alguns relatos anônimos:
“Porque algumas vezes coloco meus interesses acima do bem estar da minha filha, como por exemplo, hoje, que ela foi pra escola e eu estou em casa assistindo série ao invés de trabalhar. Também porque não volto com o pai que ela ama, mesmo sendo algo do interesse deles dois, porque pra mim o relacionamento traz muitas mágoas“
“Quando não consigo dar a janta e a cria dorme só com um lanche, quando esqueço de comprar uma fruta para ele comer, quando não consigo dar um remédio certinho (todos os dias e horários), nesses momentos me sinto uma desnaturada”
“Falta de paciência e sair da rotina deles tipo, estar muito cansada e não fazer as refeições como tem de ser, ou deixar de dar um banho. Estar mais “atirada” e não interagir com eles como tem que ser, me parte o coração me sinto a pior de todas”
“Eu me sinto péssima mãe quando meu filho escolhe outra pessoa, e não a mim. Tipo, estamos eu e outra pessoa perto dele, e ele sai falando mama para outra pessoa, já chorei muito, ele tem 10 meses e sinto que ele não me ama como outros bebês amam as mães”
“Me sinto desnaturada quando perco a hora de acordar e banho não é a primeira coisa do dia da cria”
“Hoje eu estive doente, com um puta relatório pra entregar, com minha bebê de 1a e 10m sem almoçar em plena 12hrs, sem almoço pronto, ela sequer tinha tomado banho ainda até 11:30hrs, hoje me estressei porque ela não quis dormir, gritei dei uns dois tapinhas, e depois de todo estresse ela veio com todo carinho do mundo me beijar e me fazer carinho, antes dos carinhos eu pedi pelo amor de Deus pra minha mãe vir buscar ela pra eu fazer meu relatório em Paz, e quando ela veio eu quis chorar porque a essa altura eu ja estava recebendo um carinho dela. Eu sei que ela não tem culpa de nada, e eu estou péssima agora”
“Fiquei 1 mês longe do meu filho após ter tentado suicídio. Eu não conseguia controlar crises de pânico, passei o tempo na casa de uma amiga que tinha me dado a opção de levar a cria comigo, mas eu não tinha condições psicológicas de lidar com tudo ao mesmo tempo. Muitos me chamaram de chocadeira, desnaturada e talvez eu tenha sido mesmo. Mas prefiro ser uma mãe desnaturada do que uma mãe morta“
“O tempo todo, quando tenho que sair sem a minha baby, quando vou trabalhar, quando estou qualquer lugar até dentro de casa quando estou sozinha, eu me sinto péssima. Sempre acho que podia está fazendo mais, fazendo melhor“
“Me sinto desnaturada quando penso que seria melhor não ter tido filhos. Quando os troco pelo celular quando perco a paciência quando quero que o pai faça o mesmo que eu“
“Me sinto péssima mãe quando me sinto bem em sair sem ele. São raras as vezes, sempre é pra consulta ou exames, me sinto ok por estar sozinha com meus fones de ouvido, com os braços descansados e vazios, andando no meu passo. Mas, logo em seguida, me sinto péssima“
Recebi muitos relatos sobre o ser “desnaturada”, alguns só confirmam o que falamos todos os dias sobre a maternidade romantizada: CULPA.
Nos sentimos desnaturadas quando nos colocamos em primeiro lugar;
Nos sentimos desnaturadas quando não temos um apoio e temos de fazer tudo sozinhas;
Nos sentimos desnaturadas por não sermos aquelas mães famosas de instagram que fazem as papinhas naturais, têm apoio do pai, ganham jabá. Nos sentimos mal até quando a nossa vida está por um fio e não temos um controle disso.
Esses relatos provam o quanto nos mergulham nessa maternidade Doriana, o quanto cobram perfeição de nós, meras mortais.
Você não é desnaturada por sua filha almoçar 1h depois do horário “correto” de almoço, você não está deixando de alimentá-la;
Você não é desnaturada por pedir um arrego porquê você tem de estudar e fazer relatórios importantes;
Você não é desnaturada porque seu filho pede para ir com outra pessoa, ele não te ama menos por querer o colo de outra pessoa num dia.
Você não é desnaturada por sua vida estar por um fio e você precisar ficar um tempo longe dele para se recuperar, isso inclusive, é amor.
Você não é desnaturada por ter de ir trabalhar e deixar sua baby, pense que está fazendo isso por ela, pro futuro dela e você também precisa de um tempo.
Você não é desnaturada por assistir série e deixar sua filha brincando no quarto; você não é uma máquina de maternidade.
Você não é desnaturada por dar um lanche em vez de janta, poxa, você está cansada, não tem problema nenhum nisso.
Você não é desnaturada!
Colocam isso na sua cabeça para que você tente se adequar ao modelo perfeito de criação de crianças e te anularem como ser humano. Precisamos colocar na nossa cabeça que fazemos sempre o que é melhor para nossas crias, mesmo quando perdemos a cabeça, gritamos, perdemos o controle, queremos jogar tudo pro alto e sair andando, mesmo nestes momentos, queremos o melhor pra eles, e pra nós. Nos anulam tanto e não devemos permitir nos auto-sabotar.
A maternidade não é um mar de rosas e nós, que lutamos contra a romantização dela, somos as que recebemos mais críticas, pois não estamos nos colocando como uma pessoa que nasceu para criar seus filhos, estamos nos colocando como mulheres como individuais que somos.
É difícil, eu sei, as vezes choro por escolhas que eu fiz, por coisas que eu faço na minha maternidade, mas quem disse que seria fácil, não? Lembre-se sempre você não é desnaturada, você é uma pessoa. Não deixe o monstro da culpa colocar isso na sua cabeça, você faz o melhor que pode, sempre. Eles, quando ficarem grandes, vão ver o quão foda você é. Pense nisso.
Texto publicado originalmente aqui.