Mulheres-mães protagonistas da própria história

Ter calma é um privilégio quando nos tornamos mães

Ter calma é um privilégio quando nos tornamos mães

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Há um ano, fiz minha primeira viagem sozinha desde que meu segundo filho nasceu. Ele estava com quase seis anos. O caçula, com três, havia parado de mamar há pouco. Recebi esse presentaço da minha família. Minha irmã, que vive nos EUA, estava indo para a casa do meu irmão, em Buenos Aires, para conhecer nossas sobrinhas. Meu pai e minha mãe também estariam lá. Um reencontro da nossa família nuclear depois de longos oito anos sem estarmos juntos.

Eu precisava muito desse respiro. Seria lindo se meus filhos fossem comigo. Mas a falta de grana, nessa ocasião, foi uma dádiva, sinceramente. Essa viagem foi uma grande oportunidade para que eu tivesse vários insights sobre esta pessoa que parecia já nem existir para além da maternidade. 

Com três filhos, um dentro do espectro autista, um com TDAH e um deixando de ser bebê aos poucos, desempregada há um ano, eu estava afundada na sobrecarga da maternidade e muito entristecida por não conseguir emplacar minha estabilidade financeira. Era nítido que a dificuldade de retornar ao mercado de trabalho tinha a ver com a maternidade e isso me indignava. Com um pós-doc recém finalizado e dois livros para lançar, parecia que a sociedade só enxergava em mim o papel de mãe.

Os impactos na minha saúde mental eram evidentes, o que não era para menos, convenhamos. Depender do companheiro era uma novidade amarga. A referência que eu tinha de mim era como alguém que criou o primeiro filho sozinha, fazendo um doutorado e trabalhando, com uma única rede de apoio paga. Me tornei uma mãe de três, dependente financeiramente do marido. Realidade que me fazia transitar entre a indignação e o sentimento de humilhação.

Sim, eu agradecia por ter alguém do meu lado, pai dos meus dois filhos mais novos, que não deixava de fazer a parte dele nas tarefas de cuidado, mesmo sendo a única fonte de renda fixa da casa. Certo, ele não fazia toda a parte dele ou o que eu achava que eticamente cabia a ele, e isso me deixava ainda mais irritada, mais frustrada e mais chateada. Mas preciso reconhecer: não era uma equação fácil para nenhum dos dois. Fazendo a adaptação de três meninos em uma cidade nova (havia um ano apenas que tínhamos voltado a morar no Rio de Janeiro), com as demandas infinitas da parentalidade, que geram desgaste físico e emocional, e com os boletos insensíveis a tudo isso, sem rede de apoio (espontânea ou paga)… Nesse esquema insalubre, como seria possível manter uma relação tranquila, zen, good vibes? Sem condições, né?

Nesse contexto estressante, ganhei a viagem. Nem pensei duas vezes, só aceitei e fui. No aeroporto, sozinha, eu já sentia mais alívio que saudade. Essa sensação de ter que cuidar apenas de mim era de uma raridade tão imensa desde que me tornei mãe de três, que até o aeroporto parecia um oásis. Fui recebida pelo meu irmão com alfajor e afeto, uma festa daquelas: com mesa cheia, abraços muitos, sorrisos de sobrinhos, uma mistura deliciosa de português, espanhol e inglês, e, sobretudo, um sossego gostoso por me sentir em casa, mesmo em outro país. A saudade dos meus filhos estava ali em algum cantinho, mas a saudade que eu estava de me sentir menos mãe e mais filha, irmã e tia predominava.

Foram cinco dias de um bálsamo indescritível para minha saúde mental. Um banho de serotonina nos nervos, que deixaram de estar tão à flor da pele. Já no segundo dia, minha irmã fez um comentário que me fez rir: “nossa, mas você está tão calma, nem parece que é mãe”. Sim, ali naquele contexto era fácil: passeando; curtindo meus sobrinhos; sem precisar me preocupar com horários; dormindo a noite toda; sem brigas entre crianças que me deixassem em sobressalto; sem precisar me preocupar com o chão sujo de comida, com a medicação de um, os dentes não escovados do outro, a roupa suja transbordando, com o que está faltando na despensa. É claro que eu estava ali sendo rede de apoio para minha cunhada com bebê, para meu irmão e minha irmã com os filhos um pouquinho maiores, mas é completamente diferente quando você não é a cuidadora principal e a anfitriã da casa. Tudo parece te afetar menos e, sem tantos gatilhos de estresse a cada minuto, como não ficar calminha?

Precisei desse distanciamento para compreender isso na prática, na pele, no mais profundo do meu ser. Antes da viagem, eu me sentia desequilibrada, gritando por tudo, altamente estressada e reclamona. A disciplina positiva parecia uma idealização. Experienciar essa calma, que também fazia parte de mim, mas da qual eu tinha me distanciado tanto, era revelador. Porque aquele ganho de consciência não estava no discurso, numa leitura ou numa sessão de terapia, meu corpo estava sentindo em plenitude. 

Eu já tinha noção, claro, que viver em estado de tensão e alerta permanentes não me fazia nada bem. Para ninguém, no caso… Os picos constantes e ininterruptos de estresse vão jorrando uma cachoeira de cortisol no sistema nervoso. Basta dar um Google para entender que esse hormônio é altamente importante, mas em excesso gera diversos desequilíbrios, inclusive o aumento da ansiedade. Imagina uma pessoa que já tem ansiedade generalizada com uma rotina transbordando cortisol?

Por isso que, para muitas mulheres, a maternidade pode ser bem tóxica. E precisamos falar sobre isso. Sem pudor ou tabu. Enquanto vamos tentando mudar a situação, a real é que as mães são as mais impactadas por adoecimentos gerados pelo estresse com a sobrecarga dos cuidados com os filhos. 

Ficar calma simplesmente não é uma opção para todas. Sequer experimentar essa condição uma vez no ano, como tive a sorte. Essa viagem reafirmou algo que minha psiquiatra tinha me alertado algumas vezes: qualquer pessoa adoeceria, surtaria, ficaria deprimida vivendo a rotina com filhos nessas condições. E o alvo mais certeiro são as mães, a quem tentam colar um título de guerreira para enaltecer a vulnerabilidade e exploração que nos fazem, muitas vezes, sucumbir.

Por Fayga Moreira – @faygamoreira

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