Setembro amarelo: onde está a aldeia que vai nos salvar?

Setembro amarelo: onde está a aldeia que vai nos salvar?

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Amarelo é a cor do alerta. Aquela que mostra que algo está errado, que precede o vermelho, quando o caos já se instalou. Talvez por isso o setembro tem que ser amarelo, porque ele é um mês de estar vigilante para uma questão importante: a saúde mental. Esse foi um dos temas que me levaram a escrever e desenvolver um trabalho focado no bem-estar de mulheres-mães.

O primeiro ano de vida de um bebê é um momento delicado. É preciso aprender a ser mãe. Se adaptar à nova rotina de cuidados com uma criança e isso demanda tempo. Só que a gente vive na sociedade da alta performance. Quando tive meu primeiro filho, o Rafael, ouvia frases assim: “Você tem que voltar a trabalhar logo!” ” Vai acabar com a sua carreira se ficar em casa.” “Como assim, quatro meses de licença não foram suficientes?”

Eu ouvi essas vozes e decidi retornar ao trabalho. Precisava ajudar a pagar as contas de casa. Foi a soma da minha volta ao emprego com o nascimento do primeiro dente dele. Meu filho passou a acordar durante a madrugada toda. Virei a mãe zumbi. Não dormia. E usava toda a minha energia para trabalhar e amamentar. Dia e noite. Com exaustão, culpa. E saudades da minha mãe, que estava com câncer, já nos últimos meses de vida. Acho que foi tudo isso junto. E não deu em outra: esgotamento físico e emocional. Burnout.

Foi numa manhã qualquer. Cheguei cedo na redação. Tinha mil tarefas para cumprir naquele dia. De repente, uma falta de ar. Um suor frio escorria da minha testa, uma cólica forte dava pequenas facadas no meu ventre. E eu desmaiei. Saí do trabalho inconsciente numa ambulância. Fui parar na emergência de um hospital. Meu marido e minha irmã chegaram rápido. Ninguém entendia o que tinha acontecido, nem mesmo eu. Os médicos falaram de estresse. Pediram que eu descansasse.

Por causa do incidente, fui transferida de setor dias depois. Me senti humilhada. Ainda lutei por três anos para conciliar o trabalho formal com a vida de mãe. Mas não tive apoio para me manter no emprego e não aguentei. Estava exausta. Pedi demissão e tirei um período sabático de dois anos para ficar com os meus filhos, descansar e cuidar da saúde.

Em inglês, burnout significa exaustão, fadiga. É conhecida como uma síndrome de esgotamento profissional, caracterizada pela sensação de estresse crônico gerado pela dedicação excessiva ao trabalho. Nos Estados Unidos, já se usa o termo Mommy Burnout para explicar a exaustão e estresse de mães sobrecarregadas em sua rotina materna. Assim como no Burnout profissional, o quadro acontece com mães que se cobram demais para atingir uma expectativa irreal de “maternidade perfeita”.

A cultura ocidental contemporânea revela uma supervalorização do papel da mãe e discursos que associam à maternidade à dedicação e à plenitude são priorizados em detrimento de discussões mais profundas sobre a maternagem. Os padrões de perfeição materna mostram uma visão romantizada e exigente da maternidade. A “mulher bem-sucedida” é aquela que teve sucesso na carreira, casamento, maternidade, beleza e vida social.

A maternidade torna-se ainda mais rígida quando se associa à ideia de autonomia, ilusão produzida pelo neoliberalismo, que busca suprimir o fato de que qualquer pessoa depende das ações de outras. De acordo com o artigo “Tensionamentos maternos na contemporaneidade: articulações com o cenário brasileiro”, de Ana Luiza de Figueiredo Souza, a existência de estruturas socioeconômicas que dificultam o cotidiano de quem tem filhos é uma constante no sul global. Falta de creches, serviços públicos precários, escolas com mensalidades altas, o rigoroso ideal materno e dificuldades para as mães se manterem no emprego são alguns dos problemas no cenário brasileiro.

Uma pesquisa da Escola de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas realizada entre 2009 e 2012 mostrou que 48% das mães brasileiras perdem o emprego após a licença-maternidade e parte considerável das mulheres vê as oportunidades de trabalho reduzidas após se tornarem mães. Para complicar a situação, os transtornos de ansiedade e depressão estão entre as dez causas de afastamento do emprego no Brasil e muitas dessas pessoas são mães. Mulheres exaustas com a tripla jornada que não tem apoio nenhum e adoecem.

Hoje percebo o quanto foi importante na minha trajetória buscar informações e práticas de autocuidado. Foi assim que superei meu burnout materno. E alerto outras mães: não existe maternidade leve sem apoio da sociedade, das empresas e dos governos. Só assim uma mulher-mãe consegue se manter ativa no mercado de trabalho. Esse é meu alerta para o setembro amarelo: precisamos, sim, da aldeia para seguir em frente. Onde ela está?

Lu Rodrigues nasceu em São Paulo e hoje mora em Lisboa. É escritora, jornalista e mãe do Rafael e da Clara. Trabalhou por duas décadas em emissoras de TV brasileiras, como Rede TV!, Band e Record TV. Em 2017, decidiu dar uma pausa no jornalismo para aprender a ser mãe e se reencontrar na escrita. Escreve sobre autocuidado, maternidade e feminismo nas redes sociais – e fora delas também. Em 2023, lançou seu primeiro livro, Maternidade com autoamor.

Instagram: @lurodriguesescritora

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