Mulheres-mães protagonistas da própria história

SÉRIE | A mãe monstra – Parte 1

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Apresento-lhes a mãe-monstra, também conhecida como mãe ingrata ou mãe arrependida. Essa mãe subverte a brincadeira de massinha da criança e bota-a na cara. Corta o cabelo no banheiro com a tesourinha da própria filha e usa os restos de seus cabelos para assustar.

Essa mãe fica nervosa e clama por melhores condições de existência para as mães. A mãe monstra está exausta assim como as mães na pandemia. A mãe monstra incomoda pois ela não está calada e amável. incomoda pois na foto a criança não está sorrindo feliz. A mãe vira monstra quando a culpa é maior que a compaixão por si mesma.

A mãe é monstra quando escolhe fazer algo por si e não pela criança. Rebeldias íntimas.

A mãe monstra flerta com a usa desde antes de completar um ano. Tá curta e segue usando. O tecido é tão confortável e ela não é rosa, atenção, é listrada de vermelho, listras bem fininhas. A mãe monstra, nos momentos de descanso sem a criança, escreve, pensa, desenha e trabalha sobre a filha. Uma relação intensa e complicada. Materna.

A mãe monstra queria mais tempo sem a filha, pra poder dormir, comer besteira e perceber se vai sentir saudades. Não entende bem esse sentimento, sente medo de ser muito julgada, amargura. Veste a monstra, absorve a monstra, e se cansa. Tira a máscara e a monstra vai embora, mas ela sempre volta.

A mãe monstra é apegada nessa blusinha que a criança mas as outras mães sempre a compreendem e dizem que isso é perfeitamente normal. Ela flerta com a ideia de que o amor materno é um amor construído culturalmente, não é instintivo. Vive o conflito da carreira x maternidade, querendo dedicar mais tempo ao seu trabalho mas a existência da criança não a permite. vida pessoal ou social não tem. E odeia quando dizem “é fase, vai passar”.

A mãe monstra não é sempre gratidão e good vibe. A mãe monstra sente ódio. Sente ódio sobretudo desse governo e do descaso com as mães, mulheres e crianças desse país. A mãe monstra foi ensinada a ser sempre agradável e educada até que já não cabe, até que explodiu. Espocou. A mãe se sentiu monstra pela primeira vez quando a criança sentiu medo dela. Ah, e teve também outro momento quando a criança era um bebê, e pela vigésima vez na madrugada acordou pra dar de mamar e gritou com a voz mais profunda que já existiu: “EU QUERO DORMIR”. A mãe monstra tem medos, medo do micróbio, medo de faltar, medo da criança acordar e encontrar a mãe monstra morta.

Sobre a mãe monstra, ela flerta com a feiúra, como se ela tivesse de alguma forma secreta ligada à liberdade. Não ter furado orelha de menina quando nasceu foi considerado feio e até hoje é cobrado. Não vestir a menina com roupas cor de rosa e botinhas e lacinhos também é desleixo (Que saco. Deixa a criança ser criança!). Ela não está suja, ela só tem tinta pelo corpo: olha que legal, ela esteve se divertindo! A mãe monstra apenas não está fixada em agradar e incentiva que sua filha faça o mesmo.

É dia das mães & a mãe monstra está deveras contente de ter a noite toda pra si. Enquanto isso, o pensamento que passa por vários lugares ou lugar nenhum também recai sobre a filha e o exercício da maternidade.

Isso era algo que me assustava: em todos os momentos baby-free eu estava fazendo alguma coisa sobre o bebê, fosse pensar, produzir um álbum ou falar com as pessoas sobre. Virou meu monotema.

Esses dias quando eu falei que só conseguia falar e trabalhar sobre a maternidade, alguém me disse: “Imagina, você faz várias outras coisas”. Mas na minha cabeça, todas essas outras coisas são apenas outras, são experimentações, nada muito sério.

Segundo a monstra, sério/importante mesmo é cuidar e educar um ser humano. Outro alguém noutro momento longínquo me disse que ter um filho era como ver em todas as paisagens que se olha, uma montanha.

Uma montanha que pra onde quer que a mãe olhe, lá está, o filho. Hoje ao ver minha filha acalentada no colo da avó pensei e disse: “Mãe, você tem muito mais tempo e disposição hoje pra exercer a minha maternidade do que a sua própria maternidade, quando eu era criança”. E conversamos o quanto em sua ausência ela também estava construindo um futuro, o qual hoje podemos desfrutar, ela, a filha dela e a filha da filha dela.

Chegamos a conclusão que a maternidade é pra sempre, como bem disse uma artista-mãe. quando estive grávida pensei que era a coisa mais nova e grande que eu poderia experimentar naquele momento da minha vida. A barriga o parto.

Eu não tinha ideia do que estava por vir e tudo o que aconteceria a seguir em minha vida, na verdade me assustou bastante e ainda me assusta todos os dias. A mãe monstra é uma mãe assustada e apavorada. Em todos os sentidos.

Aguarde os próximos escritos dessa série.


Autora: Malu Teodoro, 1986. Nascida e criada em Porto Velho, Rondônia, Malu é mãe e artista multimeios. Ao longo de sua trajetória pessoal/artística esteve por São Paulo, México, Pará e  Portugal. Hoje vive em Uberlândia, Minas Gerais. Em sua pesquisa dedica-se à fotografia, vídeo, corpo, caderno, bordado, (…) educação, maternidade e feminismos. www.maluteodoro.com. Instagram: @mariameteora.

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