Olho para os vidros sujos da casa. É hora de limpá-los. É hora de faxinar o banheiro também. E a cozinha… Putz. Sempre que penso nesses afazeres domésticos, que, sendo bem sincera, gosto de fazer (desde que sem cobrança), me lembro de minha mãe. E onde me levam minhas memórias afetivas? Quais reminiscências eu tenho de minha infância e adolescência?
Tentando voltar ao passado, me prendo às memórias de menina e adolescente que tinha na mãe um modelo de mulher: forte e trabalhadora. Sempre me lembro dela trabalhando; mais tarde, trabalhando e se tratando de uma doença grave. As memórias que tenho de minha mãe são de uma mulher que trabalhava demais para manter a casa e a família em “ordem”. Não faltava comida na mesa, nem mesmo para as visitas. Já as lembranças de meu pai são sempre dele coadjuvante em casa, quase um figurante.
Ao fazer uma analogia com a mulher que me tornei, vejo que há muito de minha mãe em mim. Trabalhei demais uma vida inteira para manter uma família e a casa em “ordem”. Hoje procuro não ser aquela mulher que foi minha mãe, porque a vida não pode ser só trabalho e casa. A casa não pode estar em primeiro plano, nem o trabalho.
Fácil perceber, no entanto, que estamos, ainda, presas a ordens pré-estabelecidas pela sociedade, pela religião, cabendo à mulher o papel de cuidar da casa, dos filhos, do marido. Como sempre fui uma questionadora desses padrões, felizmente, hoje, apesar do modelo seguido, conto com a participação de meu marido, que protagoniza também essas relações familiares. E por isso estamos juntos há tanto tempo. Não conseguiria estabelecer um relacionamento familiar como o de minha mãe.
Minha mãe dizia que casamento era loteria. Queria dizer que homem bom era aquele que vivia para a família. Viver para a família era colocar comida na mesa e não ter uma amante. Pronto. Minha mãe teve oito filhos; eu, um quarto do que ela teve. E a tal “ordem” me levou a brincar menos com meus filhos, a os abraçar e beijar com menos frequência. Como se uma casa em ordem e mais limpa fosse um caminho para uma família feliz.
Minha mãe sonhava em ter casa própria e mantinha, apesar da jornada tripla, uma casa impecável. Mas hoje, olhando para trás, talvez por conta dos oito filhos que ela teve, não me recordo dos beijos e abraços. Nunca brincamos juntas; sempre mantivemos uma relação séria.
Hoje sinto que alcancei um equilíbrio. Eu beijo meus filhos, os abraço. Mas poderia ter sentado mais com eles no chão, corrido mais com eles pela praia, tomado mais banhos de mar com meus filhos, em vez de ficar esgotada, sentada em uma cadeira.
Loucura essa vida a que nos submetemos. Sem pensar, quando vemos, agimos como máquinas. Vamos nos esquecendo de nossos sentimentos, da necessidade que temos de nos sentar, de respirar, de trocar ideias, abraços, beijos. Acordar, levantar, trabalhar, tomar banho, limpar, dormir. Esses verbos acabam por nos caracterizar, e pouco sobra para o resto que deveria ser prioridade. E o pior: somos referências!
Os vidros da casa ainda precisam ser limpos, mas, antes dos vidros, há vidas que precisam de mim, e eu preciso muito delas. Fodam-se os vidros da casa!
Florianópolis, 2 de outubro de 2024.
Por Rosane Cordeiro da Silva – @rosanecordeirosi