Desde que a vereadora Marielle foi morta, me bateu uma desesperança encolhedora.
“Falar sobre isso? Mais do mesmo”. Pensei.
O silenciamento dela fez minha voz calar.
Perceber o quão frágil é a democracia frente aos que ceifam nossas lutas, foi tão cruel quanto ver nas redes sociais, “pessoas de bem” difamando Marielle com a máxima covardia e irresponsabilidade.
Incluvise, pessoas próximas.
Deu um nó na garganta.
Embarguei.
Deu desânimo discutir, mostrar dados, falar da injustiça por trás da calúnia.
No dia das mulheres publiquei um texto sobre o quanto nossa geração, essa de filhas das filhas das filhas caladas pelo patriarcado, hoje está gritando e se rebelando contra abusos.
Marielle, uma dessas mulheres que ousou gritar, foi morta seis dias depois.
Os detalhes vocês já sabem; a vereadora do RJ mexeu com bicho grande. Questionava a intervenção da polícia, a ação do tráfico e toda e qualquer forma de opressão, corrupção e violência, inclusive quando as vítimas eram policiais.
Militante negra, lésbica, mãe ativista pela humanização e defensora dos direitos humanos.
De esquerda.
A comoção por ela foi invalidada porque a moça era de esquerda.
Só por isso. (Admitam!)
Uma galera endireitada usou inúmeras justificativas pela falta de empatia com o caso, mas o motivo é esse, mesmo; ela não os representava. Ponto.
Fosse um herói deles, estava tudo certo.
Herói dos outros não vale.
O “Fla Flu” político que invadiu a internet, ignorou a mulher, sua história, seus entes e o estrago por trás das fake news.
Difamaram a moça como se cada argumento fosse um aval para a morte brutal dela.
“Defendia bandido”, comemoraram.
“O motorista também morreu”, apontaram.
“Pena dos policiais vocês não tem, né?”, provocaram.
“Milhares morrem todos os dias e vocês não se comovem”, disseram.
“Fulana foi assassinada e ninguém fez nada”, julgaram.
Julgaram. Julgaram. Julgaram.
(Como se eles fizessem algo.)
Representatividade não pode.
Não pode o luto pela luta.
Me caiu a ficha imediatamente; aprendemos a gritar, mas a sociedade ainda não digere o nosso grito.
Querem que a gente engula todas as nossas vozes.
Todas as nossas Marielles.
Num primeiro momento, minha voz cessou.
Mas ela tinha esperança, certo?
Aí, fiz esse texto.
Mais do mesmo? Talvez.
Mas é o MEU desabafo. O MEU grito.
A minha vez de dizer;
Tá difícil pra caramba viver num mundo onde julgar, caluniar, menosprezar, cultivar ódio e preconceito, desrespeitar a história e a família de alguém que nem tem mais como se defender, são tidas como atitudes certas! Detentores da moral e dos bons costumes e seus dedos apontados.
Um mundo onde matam para intimidar.
Calaram a Marielle com tiros certeiros.
Miraram a cara – é na cara que fica a boca.
“Morta ela não tem voz!” Devem ter dito.
Vocês que pensam, caros senhores.
Não adianta mais matar quem grita.
Tampouco dar chilique invalidando a comoção.
Pra cada Marielle morta, milhares surgem!
Se há poucos dias muitos nem a conheciam, agora sua voz ecoa cada vez mais alto!
E mais longe. E mais forte.
Estamos em pleno fervor da era digital. A indignação ganha alcance muito mais rapidamente que outrora. Vocês se lembram da morte da ativista Dorothy Stang? Imaginem se fosse hoje?
Marielle é o estopim para o silêncio sobre mortes que acontecem desde sempre.
E de mortes de cidadãos como o Anderson, o motorista dela, estatística de um Brasil que ELA lutou para mudar. Não você, ELA.
Toda morte há de ser lamentada.
O que elas significam, difere.
Quando alguém morre PORQUE luta por causas que incomodam bichos grandes, o assassinato não é somente do ser humano, mas da ousadia de sonhar.
Da coragem de fazer. De lutar.
De gritar.
Só não imaginavam o quanto ela É grande.
Não podemos mais nos calar.
Existiram milhares de Marielles no passado.
Mortas pela inquisição, pela ditadura, por latifundiários, pelo machismo.
Existirão milhares de Marielles.
Soltei o meu grito preso!
E recuperei minha esperança.
MARIELLE, PRESENTE!
Obrigada por estar.
Sempre.
E nos encorajar a gritar,
Por um mundo melhor de se viver.
—
Autora:
Juliana Leitôjo
Jornalista que ainda não descobriu que é artista. Danço, desenho, pinto, bordo, escrevo e sou metida a poetisa. Uma amadora! Que ama, ama e ama… Pois não sei fazer nada onde o principal impulso, não seja o amor! Autora do Blog: Bicho Mãe.