Mulheres-mães protagonistas da própria história

Privilégio masculino: abandono paterno e traição

Privilégio masculino: abandono paterno e traição

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Sei que todos têm o direito de mudar de ideia, que vontades vêm e vão, que o futuro sempre guarda algumas surpresas e que imprevistos acontecem. Ainda assim, não consigo encontrar nenhuma linha de pensamento que me explique como o homem que passou os últimos anos comigo, os últimos meses me acompanhando em consultas médicas para sabermos se eu conseguiria engravidar, as últimas poucas semanas comemorando o resultado positivo do teste de gestação, como esse mesmo homem hoje me diz que não quer mais estar comigo porque está em outro relacionamento, já solidamente construído. Nunca esperei perfeição de um parceiro, mas sim um mínimo de coerência. Como foi possível conciliar o planejamento de construir uma família comigo com o investimento num relacionamento paralelo?

Sei também que não sou a única nem a primeira mulher a passar por essa situação. Que o patriarcado seria capaz de premiá-lo por ter conseguido me enganar enquanto eu sonhava em aumentar nossa família. O que enxergo como falha de caráter, outros avaliam como uma conduta normal para um homem, quiçá desejada por vários.

Deixar de ficar “amarrado” com uma mulher no período em que é esperado que ela engorde, tenha variações de humor e posteriormente priorize o filho, essa “alforria” é o sonho de muitos, mesmo dos que não cumprem esse roteiro por excesso de integridade ou falta de coragem. Deixar de ficar com a mulher nessas condições para estar com outra mais nova, aí mesmo é que mata os outros homens de inveja. Afinal, já tinha deixado prova de sua virilidade com a fecundação do óvulo, era hora de sair “à caça” de carne mais macia.

Ainda assim, misturada com a raiva, a decepção, o inconformismo e a humilhação, um dos sentimentos que pulsa no meu peito é a revolta. Revolta com ele, claro, pelas atitudes. Com a sociedade, por validar esse comportamento através da justificativa de sempre: homem é assim mesmo.

Revolta também com a outra mulher, que se julga vencedora por ter “roubado” meu homem, em oposição a tudo o que acredito e pratico a respeito de feminismo e sororidade. Revolta por saber que esse pai nunca vai transmitir ao meu filho valores e princípios que sejam compatíveis com os meus, muito pelo contrário.

Revolta por saber que, sozinha, terei que transformar esse conflito em forças, para cuidar do meu bebê nessa situação de abandono. Mas principalmente, revolta pelo meu bebê, que com pouquíssimas semanas de gestação já precisa lidar com a descarga emocional e hormonal causada por tantos sentimentos negativos que cruzaram nosso caminho.

Essa revolta é pelo meu medo desse tsunami impactar na gestação causando o que para mim seria um problema eternamente intransponível, mas que para o pai poderia ser até uma solução, já que o único aborto proibido em nossa sociedade é o feminino.

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