hoje completo duas semanas sem sair de casa para nada.
fui até a frente, onde tem uma avenida principal,
esperar com minha filha a chegada de meu companheiro que foi ao mercado.
tive uma sensação tão única que não lembro tê-la experimentado antes
ou era tão rara que ficou muito bem guardada.
a verdade é que os dias estão difusos.
uma hora parecem carregados de sentido, noutra esvaziaram.
tenho me perguntado a que me planejo, a que devo?
estafada
estou em extenuante confinamento à esfera doméstica.
sinto-me ainda servindo
uma servidão que não termina
não acaba
ela inicia e se finda a cada dia que passa.
pego-me pensando na estrutura machista que me constitui
pego-me pensando em tantas coisas
sempre fui assim
mas, agora não tem hora.
já falei que tenho visto rosto em tudo?
no chão, nos azulejos, nos relógios, na comida…
fazia tempo que não via tantos rostos me rodeando.
bem, das coisas que andam me enfraquecendo por fim, das dores
das conhecidas que tomaram força aproveitando-se
imagino eu, da minha falta de disciplina
disciplina é uma palavra casada com a rotina, né?
a mim me parece.
esqueço delas quando perco-me das regras diárias de uma “adulta” responsável.
as enxaquecas têm me visitado com bastante frequência
as cólicas menstruais e intestinais também
junto delas os surtos
estes dias em meio a uma massagem nos pés feita pelos meus dois
(claro, só diante de uma pandemia, e com muita dor, e pedindo, ganhei uma “breve” massagem nos pés)
acompanhada de um susto infame, com um massageador que vibra
pensei ter ido daqui para além
chorei
tremi
sufoquei
que corpo é esse tão a flor da pele?
esta proposta de nova vida
ou espera da morte tem me empipocado a cabeça.
já não batia bem
agora então
quem me dera
só durmo com youtube tocando uma frequência sei lá das quantas meditativa
e cheguei a experimentar um quartinho de um ansiolítico pelas mãos e insistência do companheiro aqui
às vezes tenho vontade de tantas coisas
outra a mesma vontade de nada
sei do que seria essencial estar cumprindo,
os tais conselhos de: dormir bem, comer direito, exercitar-se
quem tem ânimo, meu deus!
não faço ideia do que será de nós
pra que tudo isso?
e no meio desta, minha filha completa anos
e agora?
joga tudo no mixer, bate, faz poesia, bebe, vomita ao ouvir pronunciamentos presidenciais, teme, reinventa, tenta, desespera…
a vida é louca, mas desta vez confesso que ela se superou.
só quero acrocar-me no chuveiro e ficar lá por horas
esquentar meu corpo que exercita um congelamento
e dói.
escorrer junto com a água bueiro abaixo
sabe?
hoje cansei de tudo
cansei de cozinhar
cansei de sair da cama para sala,
da sala para cozinha
da cozinha para o banheiro
e do banheiro para lugar nenhum.
hoje e só por hoje
tenho entendido que é só o que tenho
o hoje.
minha enxaqueca não passa
tenho recebido suas visitas diariamente
as ideias foram gastas
as vontades divergem
eu não reconheço mais meu corpo.
não reconheço mais a mim.
Autora: Joanna OM / @joliari – @perfor.mãe.ser.