Nesses últimos dias duas postagens vindas de PRINTS causaram um enorme rebuliço na internet em torno dos assuntos EDUCAÇÃO DOS FILHOS e MATERNIDADE.
O primeiro falou de uma mulher que não quis dar o suco pra uma criança no metrô e o segundo envolveu uma briga de duas mulheres em torno de uma boneco de colecionador (por mais que você gourmetize o nome, uma action figure sempre será apenas um boneco com o valor emocional que você dá, lide com isso).
O meu foco não é falar aqui se as mulheres deveriam ou não dar o suco/o boneco/a alma para as crianças envolvidas, mas falar sobre tudo o que envolveu o assunto criação de filhos e maternidade de uma forma excludente, preconceituosa e reducionista.
Ou seja – melhor me repetir para ter certeza de que proporcionei a oportunidade de você entender – não estou falando sobre os casos específicos, mas sobre o comportamento e um grande discurso de ódio e de preconceito que girou em torno das criança e das mães.
Eu sei que a melhor coisa que eu posso fazer pelo meu bem estar é evitar de ler os comentários. Mas quando eles passam esfregando na sua cara na sua timeline logo no café da manhã com vários contatos seus falando coisas absurdas – de todos os lados, de todos os pontos de vista – fica difícil não se envolver em uma discussão.
Algo que foi bem pontuado em uma das discussões foi que adjetivos são bem reveladores. E enquanto a mulher da história do bonequinho era chamada de “A colecionadora” e tinha nome e sobrenome, a oura parte era nomeada como “a mãe louca e o moleque mimado”. Mais reducionista que isso é impossível.
Não só isso, como também coisas como “Eu posso comprar meus bonequinhos de 300 reais porque não tenho nenhum filho pra sustentar”. Se filho fosse só mesmo uma questão de sustentar eu comprava um cachorro. Ter filhos é muito mais do que ter uma boca para sustentar e abrir mão de alguns pequenos luxos (e nem sempre a gente abre mão porque não precisa).
Por mais que a gente se repita à exaustão que mães são – pasmem – gente normal e crianças são – pasmem mais ainda – seres humanos, as pessoas insistem em nos reduzir às loucas, às exageradas, às histéricas, às parideiras. E isso não chocaria tanto se não viesse em uma proporção esmagadora de mulheres do meio FEMINISTA.
O ódio contra crianças está explicitamente disseminado em todos os lugares possíveis. A exclusão dessas pessoas na sociedade não só é praticada como é elogiada. Restaurantes, hotéis, estabelecimentos diversos, festas de casamento (provavelmente vão passar a lua de mel ao vivo no telão ou terão uma grande orgia comemorativa), aniversários em buffets e outras situações e locais em que crianças são declaradas como NÃO SÃO BEM VINDAS AQUI. E sempre sob os mesmos argumentos fajutos de que “os pais não olham”, “se comportam mal”, “quebram coisas”.
Alguns flashes rápidos aqui, certa vez fui a uma festa de 15 anos onde a mãe da debutante fez DE TUDO para que sua filha fosse A ESTRELA da noite. Sabe o notório exagero da debutante? Multiplique por um milhão e você terá uma mera ideia do que ela queria. Ela fez a garota ter aulas de canto e violão às pressas para se apresentar na festa e, quando ela estava se apresentando, um homem bêbado começou a berrar no meio de um salão lotado “ÊEEEEEEEE SARRRRDADEEEE” repetidas vezes, a música TODA. Não bastasse isso, o chopp era liberado e ele pegou UM VASO da decoração que devia ter uns 60 cm de altura, tirou as flores, jogou a água NA RUA e encheu de chopp e ficou bebendo enquanto ria alto e incomodava na festa.
Outra vez fui a um casamento e um dos convidados notou a minha existência e ficou me rondando. Eu não queria nada com ele e eu mesma tinha notado a existência de outro rapaz na festa. Fiquei sabendo que a namorada dele não tinha ido e eu fiquei “ok”. Naquela época eu almejava ser escritora e eu tinha insights de ideias de um livro que tentei escrever (quem sabe um dia eu publico) e tive uma ideia baseada na festa. Pedi uma caneta a alguém e escrevi as ideias, guardando na minha bolsa. Nisso, o rapaz que viu que eu não estava interessada por ele, deu um esbarrão proposital em mim derrubando bebida e olhando para ver se eu tinha alguma reação. Com classe olhei feio que nem o diabo pra ele, mas não armei barraco. Ele se afastou. Pior foi depois que eu fiquei sabendo que os adultos se juntaram para rodar o salão inteiro para dizer que eu tinha me apaixonado pelo rapaz que tinha namorada, que eu estava escrevendo um suposto bilhete de amor pra ele e que eu estava triste e fiquei emburrada a festa toda (eu estava de salto alto aos 19 anos e sem costume de usar salto ME DEIXA sentar). Lembro também que a luz estava tão fraca que era impossível saber se alguém estava feliz, triste ou tendo um AVC.
O último flash me leva a outro casamento onde depois de jogar o buquê da noiva, o noivo jogou um whisky (a caixa só) para os homens. E a briga foi TANTA entre os homens que QUEBRARAM o vidro da porta do buffet fazendo os noivos pagarem 300 reais pelo mesmo. Isso fora que um homem quase derrubou a mesa do bolo.
Nessas 3 ocasiões (e em VÁRIAS outras) tinham muitas crianças. MUITAS sim. De várias idades. E quem causou os problemas na festa foram os adultos. Todas as vezes os adultos foram o problema. Isso quando não conseguem roubar os itens do banheiro na maior cara de pau (e antes que você venha falando que isso “é obra de pobre” eram todos eventos só com gente de classe média alta que não passa vontade nem necessidade).
Na última festa de debutante que fui onde crianças foram convidadas e tinha uma menininha que ia receber a boneca, eles alugaram uma casinha de bolinhas, daquelas de festa infantil. Ficou ali no cantinho, bem enfeitadinha, combinando até com a festa e as crianças brincaram até irem embora. Não só isso como conheci um casal que fez uma área kids no casamento que deixou as crianças super felizes e os pais tranquilos (tinha até monitor de atividades). E eles não ficavam chamando a atenção no meio da festa se este é o medo de alguém. Aliás, às vezes nem lembrava que tinha essa parte e sentia falta de algumas crianças (mas era só olhar para trás e ver todo mundo brincando e desenhando).
É tudo uma questão de prioridades. E é aí que a gente entra em mais um ponto importante: propriedade/aparência X indivíduo.
Quando as pessoas comentam sobre os casos que citei de início, existe muito julgamento especialmente sobre a criança que viu um brinquedo (não adianta espernear, aquilo pra criança é um brinquedo e ponto final cara pálida) e uma defesa enorme do boneco “PORQUE CUSTOU 300 REAIS!”. E essa é a dúvida levantada em uma das disscussões que participei: em qual momento o indivíduo se torna menos importante que um objeto?
Tenho certeza de que preciso repetir mais uma vez que não se trata de dar ou não o boneco pra uma criança (deve ter partes pequenas, ninguém é obrigado a nada isso já está claro) mas da violência, da forma como falam sobre a criança com uma imagem endemoniada e do boneco – UM OBJETO INANIMADO – como se fosse o Santo Graal.
Como colecionadora também quero pontuar que tenho meus objetos que aprecio como carrinhos de edição llimitada, de cinema, itens de séries, entre outros, mas eu entendo que aquilo ali é SÓ um objeto. Um mini modelo do Back To The Future é SÓ UM CARRINHO. Um action figure dos Ghostbusters é SÓ UM BONEQUINHO. Uma screwdryver do 11th Doctor é SÓ UM TRECO DE PLÁSTICO QUE APITA E TEM LUZINHA. Nunca foi, não é e nunca será mais que isso. Não é real, tudo isso é fictício. É a mesma coisa que um bando de marmanjo ficando de birra porque descobriram que no cinema assistindo o Procurando Dory teriam CRIANÇAS e que crianças FAZEM barulho (O FILME É INFANTIL, Ô AMEBA!). É a mesma coisa que um bando de macho tendo ataque de pelanca porque AS caça-fantasmas estrearam no cinema e porque agora temos uma mulher como 13th Doctor. SÃO ESTRESSES SEM QUALQUER SENTIDO dar mais valor a uma coisa (fictícia ainda) do que respeitar um ser humano.
O ódio contra as crianças é tão claro que hoje acordei com este teste do BuzzFeed (https://www.buzzfeed.com/rafaelcapanema/quantas-destas-coisas-voce-odeia?utm_term=.knZKagGev2#.sez9xjJN5M) e quando fui fazer, para a minha surpresa, em um dos itens tinha “CRIANÇAS”. Também tinha “seres humanos” e “testes do BuzzFeed” para ser engraçadão, mas eu gostaria de saber se não seria também “engraçadão” colocar outros itens como DEFICIENTES (físicos e mentais), IDOSOS, HOMOSSEXUAIS, TRANSEXUAIS, BISSEXUAIS, NEGROS, UMBANDISTAS, GORDOS, MULHERES, entre outros, porque se podem ser “engraçadões” e colocar declaradamente CRIANÇAS na lista de “eu odeio”, podemos também ser racistas, homofóbicos, transfóbicos, gordofóbicos, intolerantes religiosos, misóginos, capacitistas e etaristas contra TODAS as idades.
“Ah mas sempre vai existir pessoas que odeiam crianças”. Assim como sempre vão existir racistas, homofóbicos, transfóbicos, gordofóbicos, intolerantes religiosos, misóginos, capacitistas e etaristas. O objetivo dos movimentos não é utópico a ponto de acreditar que esses preconceitos deixarão de existir, mas sim assegurar o direito como cidadão dentro de uma sociedade INDEPENDENTE do ódio dessas pessoas.
Esse discurso de ódio tão liberado contra crianças não só é desprezível como é contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (que pra quem não sabe SÃO LEIS, ou seja, o discurso é crime).
Segundo o ECA (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm):
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da SOCIEDADE EM GERAL (e aí entram TOOOODOS VOCÊS) e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à DIGNIDADE, ao RESPEITO, à liberdade e à CONVIVÊNCIA familiar e COMUNITÁRIA.
Em uma sociedade onde há tanto discurso new age sobre alimentação, parto natural, amamentação exclusiva, direitos, tanta gente com dedos apontados julgando e criticando as mães e falando que elas são más mães, ninguém olha para o espelho e vê como estão sendo pessoas más (péssimas, na verdade) contra uma das partes mais sensíveis da sociedade que são justamente as crianças.
É preciso levar essa discussão a todos os campos possíveis para que os direitos sejam respeitados e que as pessoas minimamente se conscientizem de que respeitar crianças é um dever de todos.
Assim como você não vai “virar gay” se respeitar os gays, não vai sair tendo filhos por respeitar crianças.
Precisamos falar sobre isso.
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Sobre a autora:
Pookie Noodlin