Mulheres-mães protagonistas da própria história

O peso de ser a mãe maravilha, santa e invisível não deveria ser imposto a ninguém

O peso de ser a mãe maravilha, santa e invisível não deveria ser imposto a ninguém

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Quando brincava de boneca, desenhava estórias que eram bem lineares: ela ia para a escola, faculdade, estudava em casa, ia pra igreja, namorava, casava e tinha filhos. A parte em que ela estudava era sempre muito imaginativa e tomava períodos inteiros. Namorar, casar e ter filhos duravam poucos minutos.

Assim que a boneca tinha o bebê, eu reiniciava a brincadeira. Voltava para o capítulo em que ela estudava. Eu era uma criança, claro, e meu repertório era preenchido por lápis de cor, cadernos e papéis de carta. Faz sentido que eu não achasse tão divertido encenar as outras etapas da vida da boneca.

Quando então a boneca se transportou pra vida real, estudar foi sua atividade mais elaborada. Ter filhos era um projeto para bem depois. Eu queria ter filhos. Depois passei a questionar se queria ter filhos. Se aguentaria o rojão de ser porto seguro e horizonte para outro ser humano. Um pensamento então insistia em povoar meus dias. Supostamente temos uma vida só.

Pelo menos até onde se crê ou se sabe. E nos meus estudos desenvolvi uma habilidade: ser cientista. Assim sendo, e podendo, vi que gostaria muito de viver a experiência de ser mãe. Antes que algum leitor politicamente correto questione se meu filho é um experimento, digo de antemão que o que estou dizendo é passível de outra interpretação que aqui defenderei.

O que chamo de experiência de ser mãe inicia no processo de gestar e tudo que o envolve: testes de farmácia, testes laboratoriais, dois risquinhos, Beta HCG, barriga crescendo, sintomas (alguns legais outros nem tanto), consultas pré-natais, primeiras roupinhas, carinha amassada na ultrassom e parir. Resumi, lógico.

Da mesma forma que ao brincar de boneca, meu script sobre o que era ser mãe era limitado. Pari. Um novo roteiro começou. Com várias fofuras que imaginei e com perrengues que ninguém tinha me contado. Talvez por desatenção não observei. Eu demorei a me tornar mãe.

Digo que demorei porque medi com a régua das minhas expectativas. Hoje sou bem mais mãe do que eu era há alguns meses. Sabe por que digo isso? Porque hoje tenho uma relação muito mais gostosa com meu filho. O peso de ser a mãe maravilha, santa e invisível não deveria ser imposto a ninguém. Gosto de ser a mãe que bate um papo reto com um garoto de quase 10 meses quando estou chateada com a vida ou com algum comportamento dele.

Digo pra ele que entendo que ele está em formação e afirmo que também estou. Que procuro respeitar quem ele é e que estou tentando me respeitar. Gosto de agarra-lo e enfiar o nariz no pescoço babado com o cheirinho mais “ocitocinante”. Gosto de poder estar disponível para ele. De ter tempo para ele. Ele sabe que não gosto de ter que gerenciar uma casa que concorre o tempo todo com o que quero passar com ele.

Ele sabe que fiquei meio perdida nos meus papéis enquanto tentava me encontrar sendo mãe. Agora entendo porque depois de ter filhos minha brincadeira não continuava. Um dia só não seria suficiente para fazer tudo que envolve a parte depois de parir. A sociedade ainda não está pronta para assimilar essa última frase, mas continuamos militando, ou melhor, continuamos aprendendo e oportunizando aprendizado para que as gerações que começam agora possam ter repertórios vastos.

Que não sejam restritos a linearidade. Caso entre suas escolhas e possibilidades esteja o gestar, que você tenha um mundo de vivências. Que nesse mundo você possa ser tantas coisas quanto quiser. Mesmo que uma dessas coisas seja ser mãe.


Autora: Meu nome é Suzy Nyhiara Amorim Estevam. Sou Psicóloga, tenho 38 anos, mãe do Otto de 9 meses e da Y (uma vira lata de dois anos), casada com Caio, natural de Goiânia/GO e há 7 anos morando em Marabá/PA. Amo ler e escrever. Escrever sempre foi meu refúgio e a junção puerpério/pandemia fez com que eu passasse a escrever bem mais. Meus dedos falantes não se calam quando há um nó na garganta. Instagram: @suzynyhiara 

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