Ao ingressar na Câmara da Mulher Empreendedora da minha cidade, passei a circular por grupos femininos e eventos, e percebi que algumas queixas são gerais. Uma das mais comuns é a dificuldade para se assumir empreendedora – tanto para si mesma, quanto para o mundo. Chama a atenção o fato de que não são apenas as iniciantes que enfrentam esse bloqueio: até mesmo mulheres atuando à frente de seus negócios e gerando renda ainda resistem a se denominar desta forma. E por que isso acontece?
Existem diversos fatores que acabam oprimindo a mulher a ponto de causar esse bloqueio. Um deles diz respeito à estrutura patriarcal e machista da nossa sociedade, que ainda associa empreendedorismo e sucesso nos negócios à figura masculina. Parece mentira, mas até 1962 as mulheres precisavam da autorização dos maridos para trabalhar fora, abrir conta em banco e gerenciar seus bens. Nós ainda carregamos marcas desse período em que as mulheres ficavam restritas ao trabalho doméstico ou, no máximo, a profissões “mais apropriadas ao gênero feminino”, como o magistério. A dificuldade de acesso ao crédito enfrentada hoje ainda é um reflexo desses estereótipos. Conquistamos muito, mas ainda temos uma série de barreiras a superar.
A dificuldade em se identificar como empreendedora também está relacionada a construções socioculturais de gênero. O imaginário coletivo sobre o “empreendedor de sucesso” ainda é majoritariamente masculino, associado a atributos como ousadia, racionalidade e liderança assertiva. Ao longo da história, o papel social atribuído às mulheres esteve mais ligado ao cuidado e à esfera privada, o que reforça a sensação de inadequação quando transitam por espaços tradicionalmente masculinos, como o mercado e a gestão empresarial.
A geração de mulheres que ocupa o mercado de trabalho atualmente ainda é reflexo dessa educação desigual. Enquanto os meninos foram educados para serem destemidos, arrojados, corajosos, e incentivados a seguir estudos e carreira na área de exatas, por exemplo, as meninas foram criadas para serem dóceis, delicadas, e para seguirem ocupações relacionadas ao cuidado (áreas com menor remuneração). Felizmente esse cenário está mudando e as novas gerações estão sendo educadas com bases mais igualitárias e muitos estereótipos vêm sendo rompidos.
No momento de empreender, a carga cultural acaba pesando e impede a mulher de se posicionar de forma assertiva em relação ao seu negócio e suas capacidades. Elas carregam o pavor de que alguém as acuse de “estar se achando”, duvidem ou contestem suas capacidades. É comum as próprias mulheres duvidarem de sua competência, atribuindo o sucesso à sorte ou ao apoio de outras pessoas, e sintam que serão “descobertas” como uma fraude. Essa insegurança destrói a autoconfiança e limita a capacidade de crescer, ousar e ocupar espaços com autoridade, além de afetar diretamente em momentos de tomada de decisão, como busca por financiamento e exposição pública do negócio.
Pesquisas recentes comprovam a disparidade no comportamento de homens e mulheres ao se candidatarem a vagas de emprego. Uma pesquisa interna da Hewlett-Packard revelou que homens tendem a se candidatar a promoções quando acreditam atender a cerca de 60% dos requisitos, enquanto mulheres só se candidatam quando sentem que cumprem 100% das exigências. Outro estudo da TalentWorks analisou mais de 6.000 anúncios de emprego e concluiu que candidatos têm chances semelhantes de conseguir uma entrevista atendendo a 50% ou 90% dos requisitos listados. No entanto, observou-se que mulheres são mais propensas a se candidatar apenas quando atendem a todos os critérios, enquanto homens se aplicam mesmo com correspondência parcial.
Outro aspecto a ser considerado é que o empreendedorismo feminino é atravessado por múltiplas jornadas: muitas mulheres conciliam a gestão do negócio com o cuidado da casa, da família e de si mesmas, lidando com sobrecargas que não são reconhecidas. Não são raros os casos em que a própria família ou companheiro não apoia o empreendimento. A falta de redes de apoio, somada à dificuldade de acesso a crédito e investimentos, à baixa representatividade em espaços de liderança, também contribuem para a sensação de isolamento e insegurança.
Diante deste cenário, reconhecer-se como empreendedora é um ato político e simbólico, um passo fundamental, não apenas no âmbito individual, mas para o fortalecimento do empreendedorismo feminino como vetor de transformação econômica e social. Um processo que exige não apenas recursos e formação, mas também o enfrentamento de barreiras subjetivas profundamente enraizadas.
É necessário fortalecer espaços de acolhimento, formação e conexão entre mulheres, onde histórias sejam compartilhadas, medos sejam nomeados e conquistas celebradas. É assim que se rompe o ciclo da invisibilidade e se constrói uma nova narrativa: a da mulher que reconhece sua força e se permite ocupar com orgulho o título de empreendedora.