Não tão leve

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Janeiro em uma cidade do litoral paulista. Um parque que ficou fixo na região central da cidade.

Muitos lanches, crianças e barulho de ferrugem.

Subi em um brinquedo duvidoso com a mais velha, que ainda era bebê.

Um simulacro de avião que era tão real que o ocupante conseguia fazer a máquina voar e pousar.

Eu nunca sequer tinha cogitado a possibilidade de subir nessas coisas. Mas entrar naquele lugar com a minha filha me fez querer que ela aproveitasse todos os brinquedos que pudesse.

O tal do avião estava nos fundos, percorremos o caminho das pedras, suando. Aquele verão não queria ficar devendo nada para os 40° do Rio.

Meu marido carregava o mais novo, minha sogra e a esposa traziam seus próprios bebês pet e eu estava de mão dada com a mais velha.

Passamos pelo carrinho de bate-bate, pelo carrossel, barco viking e pula-pula.

Chegamos na invenção mais sonhadora da humanidade.

Então o dilema: quem subiria no brinquedo com ela?

Não era bem um dilema, tinha o peso máximo, então, por eliminação, eu fui a escolhida como acompanhante.

Enquanto eu subia de mão dada com a pequena, eles disseram que ficariam na entrada do brinquedo nos esperando.

A funcionária do parque me guiou para um avião distante, ficamos de costas para a entrada.

Ainda haviam lugares vazios, assim tínhamos que aguardar. Enquanto eu olhava para cada detalhe do avião e prestava atenção no barulho que vinha do motor central, a pequena só olhava para o movimento das pessoas.

O barulho foi ficando mais próximo e próximo. A funcionária desligou o brinquedo e pensei que tudo seria cancelado.

Já comecei a elaborar o que diria para ela, caso tivéssemos que sair sem voar.

Esperei.

A operadora foi até o motor, mexeu em alguma coisa e retornou para a cabine.

Me senti aliviada.

Então foi aí que meu alívio durou pouco, coisa rotineira.

A pequena começou a falar:

– Xau, vovó. Xau, papai.

Eu procurei entre as pessoas para se eles tinham mudado de lugar. Constatei que não mudaram.

Ela continuou:

– Xau, imão. Xau, tia She.

O alívio nem parecia que existiu.

Encarava os botões que a moça tinha ensinado a usar e pensava: “O verde sobe e o vermelho desce ou o verde desce e o vermelho sobe?”

– Xau, papai. Xau, vovó.

Como poderia ser real aquela cena?

Ela falava e acenava com convicção, para o nada.

Seria aquele momento realmente de despedida?

Eu me considerava satisfeita com a vida que eu levava?

– Xau, tia She. Xau, vovó.

Fui uma boa mãe?

– Xau, papai. Xau, imão.

Foi irresponsabilidade minha ter subido em um brinquedo de manutenção duvidosa com minha filha de dois anos?

– Xau, vovó. Xau, imão.

Como seriam as manchetes?

– Xau, tia She. Xau, papai.

Por que eu não tinha o direito de acompanhar o desenvolvimento do meu bebê como acompanhei o dela?

– Xau.

O brinquedo ligou.

Na primeira volta, eu não quis tentar subir o avião.

Passamos pela família. Pensei se seria a última vez que os veria.

Será que meu marido saberia o quanto eu o amo?

Outra volta.

Minha sogra sinalizou para eu subir.

A pequena estava feliz.

Acho que tudo vai dar certo.

Por Evelyn de Sá – @eve_facilita

Revisora Angélica Filha

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