Mulheres-mães protagonistas da própria história

Essa tal maternidade

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Ser mãe é ser uma constante contradição. Há alguns finais de semana resolvi ir sem as crianças para um casamento em Pirenópolis. Tudo certo, deixei-os aqui.

O lugar é famoso pelas cachoeiras e a festa prometia ser boa. Fui só com o marido, pela primeira vez viajei sem a pequena de um ano e o mais velho já está acostumado com algumas viagens.

Na mala: dois livros (confesso que estava empolgada com a solidão, pretensão minha: ler dois volumes em três dias).
No aeroporto de Congonhas, só com uma mala de mão, me sentia tão livre que até comprei maquiagem. Resultado: Às dez da manhã eu já estava fantasiada em pleno aeroporto, rímel, batom, iluminador – tudo que a vendedora poderia me oferecer.

Quando entrei no banheiro, entoava mentalmente o pagode: “Essa tal liberdade”. Que leveza, meu Deus.
Entro no banheiro e me deparo com uma mãe atrapalhada trocando a fralda de um filho, ufa que não sou eu.
Olho para ela com carinho, como é difícil manter um bebê num trocador. Ela sabe que sou mãe pelo jeito que olhei para ela. Não há rímel ou delineador que disfarce essa troca de olhares. É que as mães se reconhecem pelo coração, não pelos olhos.

Avião quase saindo, passo em frente a uma loja de brinquedos. Uma Dory que repete o que a criança fala, grava e muda o tom de voz, me chama.
Gente, que maravilhoso! Meu filho vai amar! Ele adora o fundo do mar. Meu marido me convenceu que era um trambolho, muito caro, importado. Resignada eu saio da loja de mãos vazias, trocando um olhar cúmplice com a vendedora. Com certeza ela é mãe também.

Um aviso que o avião atrasará: Oba, livraria! Há quanto tempo não leio uma revista: ELLE nas mãos. No caixa vejo uma bola colorida de plástico que acende. Um polvo com vários tentáculos coloridos. Só tenho 20 reais. Mas meu filho vai amar.

Para que serve mesmo a revista? Fazer pilha e amontoar na sala. Folheio com rapidez, ah tá, entendi: cintura alta voltou. Ufa. Nada pode ser mais relevante do que isso na moda atual para uma mãe de dois. Nem precisei comprar a revista para tal constatação.
O polvo verde limão, roxo, azul e pink vence.

Estou andando para a sala de embarque toda maquiada, com um brinquedo colorido que acende: sou uma contradição ambulante. Batom russian red na boca e uma sacola teimosa que não para de piscar. O tal brinquedo é exibido.

Já quase entrando no avião vejo uma loja de artigos de renda: Nossa, que lindo aquele vestido!
Corro em direção à loja:

— Amor, vamos perder o avião – Diz o sábio marido.

Pouco importa, o vestido de renda é a cara da minha filha, conto para a vendedora, enquanto mostro a foto dela no celular.
Entro no avião, finalmente. Cheia de sacolas. Até um pouco exagerada para um voo doméstico.
Gabriel Garcia Marques ou uma soneca? Opto por ambos, que delicia.

Assim que pouso sou tomada por uma saudade enorme, ligo em casa, está tudo bem. Almoçaram. A pequena dorme e o mais velho me diz que vai ao cinema com o padrinho assistir ao filme da Dory.

Tudo está bem. Vou dançar bastante na festa, vou conhecer cachoeiras. Mas meu coração bate de verdade dentro daquela sacola iluminada, o resto é maquiagem.

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