Ontem voltamos de um passeio e Nara começou uma soneca por volta das 18 horas. Jaim aproveitou para dormir com ela. Enquanto isso, sabendo que esses cochilos não duram mais de 40 minutos, corri para preparar o jantar. Abóbora, chuchu, feijão, frango e batata doce. Brinquei comigo: hoje vai ser “Naromba”.
Montei um prato bem colorido para Nara e juntei o que sobrou do almoço para os adultos da casa. Esperei na bancada da cozinha enquanto a comida esfriava.
Nenhum ruído quase uma hora e meia depois. Que estranho! Fui até a porta do quarto, fiz algum barulho para ver se adiantava o despertar dos dois.
“Tudo bem, daqui a pouco vão acordar.”
Peguei o celular, rolei algumas páginas nas redes sociais.
“Esse algoritmo sabe que tive uma filha. Só tem postagens sobre esse assunto por aqui.”
Cansei rápido das informações contraditórias que recebia sem necessidade e sem autorização.
Um passeio pela casa na expectativa que as luzes do corredor entrassem pela fresta da porta entreaberta do quarto. E nada, nenhum ruído de Jaim e Nara.
Aproveitei para organizar minha mochila e olhar a agenda da próxima semana.
“Quantas coisas sem sentido por aqui. Preciso jogar fora alguns itens e pensar em desculpas para cancelar certos compromissos”.
Pronto. Senti uma tranquilidade com a falsa leveza da mochila que seria recarregada e da semana que surgiria com imprevistos.
Quase cantarolando um som emocionado, lembrei da rotina da noite que tinha pulado etapas. “Será que ainda vou ter que ninar um neném?”, me desespero.
Olhei pela câmera, sono profundo. Jaim e Nara permaneciam na mesma posição. Dessa vez, torci para que ninguém acordasse mais.
“Acho que vai mais longe”, pensei.
Fui até a estante para terminar de guardar alguns livros misturados com brinquedos.
“Não acredito que fui absorvida pelo mundo comercial da maternidade. Quantos livros inúteis ensinando técnicas sobre um bebê que eles nem conhecem”.
No meio dessa reflexão constrangida, vi aquela garrafa de vinho.
Abandonei meu semblante de coitada e fui possuída pela jovem malandragem que ainda fazia parte de mim.
“E agora, aproveito para dormir também ou abro um vinho?”.
Caindo na cilada do “eu mereço”, pensei: “foda-se, é sábado”.
Abri o vinho, coloquei na melhor taça, deitei no sofá, liguei qualquer coisa no streaming. Parecia o melhor vinho barato do mundo que já tomei!
“Quando foi que compramos essa garrafa?”
Fui longe, degustando algum sabor de alívio e me permitindo não pensar enquanto imagens intrusivas de filmes aleatórios invadiam minha mente.
Depois de bons goles, mudei a programação da TV e dancei aquele Blues que não era bem o puerperal. E bebi mais um pouquinho até porque não se deixa vinho aberto na geladeira.
“Já acabou? Tudo bem. Cansei, vou dormir”.
Em silêncio e no escuro, entrei no quarto, deitei no pequeno espaço que sobrava na cama e virei de costas para os dois.
Senti uma mãozinha puxando meu pijama e, do outro lado da cama, Jaim dizendo: “oi, quer comer algo?”
E a noite que tinha começado terminou para o novo dia que ainda tinha lua e céu escuro.
“Arrependida?”
Acho que não. Só mais um dia cansada, ou ressaqueada, mas com o alívio do melhor vinho barato do mundo.
Por Bárbara Bandeira – @barbarapsiquiatra
Revisão: Stefânia Acioli