Esperava ansiosamente pela hora em que faltasse algo dentro de casa, para que
pudesse, enfim, sair da clausura. A vontade de, por alguns breves minutos, respirar um ar
ventilado e novo, de ver pessoas novas: movimento. Fazia seu coração disparar por uns
segundos.
O dia a dia de Inês tornava-se cada vez mais monótono e insosso. Os cuidados
domésticos, que antes faziam as vezes de uma terapia, agora, se tornaram não só um martírio, como, também, um combustível para as ideias cada vez menos elaboradas e caóticas, dilacerando o peito e desaguando em lágrimas.
Em um dia comum, que nem vale a pena ser precisado, Inês sai com seu marido e filho, ao encontro de uma boa amiga. Ao se ver no reflexo do espelho, sentiu-se cada vez menos, cada vez mais embrenhada em qualquer tipo de trama de difícil saída. Inês viu, por uma parcela efêmera de tempo, toda a sua vida se repetir diante de si e repetir, de novo e de novo, consecutivamente. As feridas sangrando, fazendo do seu olhar sempre baixo, da sua voz um murmúrio quase inaudível. Ao ver Ana, sentiu um afago em seu coração e, logo depois, apareceram as mais descaradas e incoerentes comparações, velhas companheiras de Inês.
Ao ver Ana radiante, apesar das três camadas de tecido recomendadas esconderem seu sorriso, Ana sorria com os olhos e, com tom afável, cumprimentou Inês. Depois do curto encontro, Inês escorregou e caiu na realidade em que se encontrava, os ímpetos oscilavam entre a raiva e a mais triste tristeza. Inês deu-se conta de que estava se limitando para caber nas grades da relação que tecia com os outros e com o mundo. Ao ver Ana desabrochando para a vida com o frescor da juventude e da liberdade, percebeu o quanto estava murcha e pesada. Presa.
Em um dos respiros cotidianos, Inês saiu para comprar algum mantimento para sua casa. Inês estava com um sem número de pensamentos amontoados em sua cabeça, a euforia que aquele banho de sol provocava a fez querer correr, gritar, percorrer o mundo inteiro a pé. Queria aplacar a dor de dentro com exaustão física, queria esquecer a sua vida mediana pensando na vastidão do Universo. E, de repente, se esqueceu do que precisava comprar. Passou a caminhar sem rumo e aérea pela quadra de sua casa. Inês começou a se desesperar, pois sabia que, ao retornar para casa, seu marido reprovaria seu esquecimento e a trataria com o desprezo costumeiro.
Inês vagou pela rua, à procura de sabe-se lá o que, à procura do nada. A máscara, que cobria o seu rosto e o aquecia, tornava a respiração mais trabalhosa de ser respirada. Mas, mesmo assim, era sua proteção contra o vírus do momento. Além de seu sistema imunológico que era meio fraco, diga-se de passagem, as dores de dentro tiravam-lhe o apetite pela vida. Sentia em si o peso do medo, da solidão, do mundo.
Durante suas andanças, achou um banco de praça e sentou-se para suavizar os desconfortos que sentia nas ancas. Perambulou pelas suas memórias. Memórias suas e as que foram plantadas com relatos de entes. Revisitou o seu nascimento, divórcio dos pais, madrasta e outros tantos caminhos pelos quais sua vida rumou. Está na hora do meu filho comer. Será que ele bebeu água? se questionava, entre uma recordação e outra. Inês pensou em seu pequeno filho, tão dependente de mãe, de peito, de colo, de dengo.
Todo o conforto que lhe foi negado e que ela, sem saber muito bem de onde, consegue ter tanta amabilidade para com seu filho depois de tamanho abandono parental. Café! Inês se dirigiu ao mercado bruscamente, pegou o pacote de pó negro, cumprimentou a moça do caixa com voz de bom dia.
Tinha demorado duas horas nesse passeio erradio. Chegou em casa e inventou alguma desculpa de caos no mercado, ou na cidade, ou qualquer acidente possível de acontecer nas proximidades. Tomou o café, que estava mais amargo do que de costume, cobriu seu pequeno de acalantos e, no seu íntimo, rezava para que um dia fosse, também, coberta de acalantos e cuidados.
Autora: Stephanie Sales.
Este texto foi revisado por Samuel Andrade.