Conflitos entre irmãos: Contribuições da psicologia no contexto intrafamiliar 

Conflitos entre irmãos: Contribuições da psicologia no contexto intrafamiliar 

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CONFLICTS BETWEEN BROTHERS: CONTRIBUTIONS OF PSYCHOLOGY IN THE INTRAFAMILY CONTEXT

Flora Alves Giffoni  

Graduanda do Curso de Psicologia do Centro Universitário Metropolitano da Grande Fortaleza – FAMETRO

Fortaleza – Ceará

Link Currículo Lattes: CV: http://lattes.cnpq.br/4044541504331211

Sara Guerra Carvalho de Almeida

Centro Universitário Metropolitano da Grande Fortaleza – FAMETRO

Fortaleza – Ceará

Link Currículo Lattes: CV: http://lattes.cnpq.br/5664801952871192

Cláudia Maria Pinto da Costa

Universidade Estadual do Ceará – UAB/UECE

Fortaleza – Ceará

Link Currículo Lattes: CV: http://lattes.cnpq.br/5366031094187795 

Data de submissão: 05/07/2021

CONFLITOS ENTRE IRMÃOS: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA NO CONTEXTO INTRAFAMILIAR

RESUMO

Desde o início da humanidade, a rivalidade entre irmãos pode acontecer ao extremo e ser considerada como uma situação inevitável. O foco principal deste estudo é a investigação das manifestações de conflitos entre irmãos, durante a infância e/ou adolescência, bem como a caracterização das manifestações de agressividade física e/ou psicológica comuns praticadas por meninos e meninas. As questões norteadoras que originaram o desenvolvimento deste trabalho são: por que existe violência relacionada a alguns conflitos entre os irmãos? Por que a sociedade negligencia a violência física e/ou psicológica entre os irmãos? Como a defesa da cultura da paz fraterna e familiar pode propor soluções para esse tema? Trata-se de uma revisão narrativa de literatura e análise publicada em artigos de revistas eletrônicas na interpretação e análise crítico pessoal de alguns autores, publicados no período de 2007 a 2020, dentre os principais: Carvalho et al., 2018; Lopes et al., 2017; Relva et. al. 2014. De acordo com os resultados, os tipos de violência fraternas mais comuns dentre as físicas e as psicológicas, os comportamentos mais frequentes foram: empurrar, bater e puxar cabelo, além de apelidos de mal gosto, críticas e/ou reclamações, etc. A prevenção de desavenças fraternas pode ser realizada através do entrelaçamento da mediação de conflitos familiares com a educação em valores humanos, especificamente com a Comunicação Não-Violenta, Justiça Restaurativa e o Círculo de Construção da Paz.

Palavras-chave: Conflitos entre irmãos. Relações fraternas. Violência psicológica fraterna. Violência física fraterna.

ABSTRACT

Since the beginning of humanity, sibling rivalry can happen to the extreme and be regarded as an unavoidable situation. The main focus of this study is the investigation of the manifestations of conflicts between siblings, during childhood and/or adolescence, as well as the characterization of the manifestations of physical and/or psychological aggression common to boys and girls. The guiding questions that gave rise to the development of this work are: why is there violence related to some conflicts between the brothers? Why does society neglect physical and/or psychological violence between siblings? How can the defense of the culture of fraternal and family peace propose solutions to this issue? This is a narrative review of literature and analysis published in articles in electronic journals in the interpretation and personal critical analysis of some authors, published from 2007 to 2020, among the main ones: Carvalho et al., 2018; Lopes et al., 2017; Relva et. al., 2014. According to the results, the most common types of fraternal violence among physical and psychological ones, the most frequent behaviors were: pushing, hitting and pulling hair, in addition to unpleasant nicknames, criticism and/or complaints, etc. The prevention of fraternal disagreements can be accomplished through intertwining the mediation of family conflicts with education in human values, specifically with the CNV, Restorative Justice and The Peacebuilding Circle.

Keywords: Conflicts between siblings. Fraternal relationships. Fraternal psychological violence. Fraternal physical violence.

 1. INTRODUÇÃO

Alguns autores definem a família pela forma como seus membros estão unidos entre si: por laços legais, através do casamento, com direitos e obrigações econômicas, religiosas ou por sentimentos de amor e afeto (OLIVEIRA, 2009; MARINO E MACEDO, 2018; SILVEIRA, 2009). 

A família é um sistema ativo em constante transformação e, por isso, existe a interação com o contexto sociocultural levando a apresentar diversas configurações familiares como: a família recasada; reconstituída; família monoparental; família original e/ou nuclear; família adotiva (MOTTA, 2008; SILVEIRA, 2009; TEIXEIRA, 2017).

Segundo Silveira (2009), estudar famílias significa estudar sistemas complexos, que podem ser vistos como sistemas multi-individuais, em que cada pessoa é um subsistema e cada indivíduo deve ser respeitado, valorizado e reconhecido. Para Marino e Macedo (2018), do ponto de vista da teoria sistêmica, a família “é um todo organizado cujos membros estão em constante interação”, sendo fundamental a compreensão das relações entre os indivíduos de uma família em função de sua subjetividade e singularidade individual e coletiva e sua forma de inclusão no sistema. 

Dentro desse sistema há a conjugalidade, a união de duas pessoas enquanto casal. A relação do casal perpassa as adversidades cotidianas: divisão financeira, diferenças de idade e cultura, opções de lazer individuais e grupais, dentre outras (TISSOT, FALCKE, 2017). De acordo com Tissot e Falcke (2017), quando o casal deseja em conjunto se tornar pais, responsabilizar-se pela criação de filhos decide, em comum acordo, que é possível desenvolver as habilidades e o sentimento de segurança para as tarefas. Torna-se crescente seu interesse e envolvimento na criação dos filhos.

Alguns estudiosos do tema caracterizam a parentalidade como um subsistema, onde ocorre o processo dinâmico de se tornar pai e mãe, biologicamente ou por exercer a função materna e paterna. Em ambos os casos, envolve as características de personalidade e história de vida de cada um (ALVES et al., 2018; BORGES, 2010; GORIN et al,, 2015). A parentalidade pode ser definida de diversas maneiras conforme o contexto histórico-cultural e socioeconômico. Seu desenvolvimento mais completo depende dos recursos de que dispõe dentro da família e, fora dela, na comunidade (BORGES, 2010; GORIN et al., 2015).

Outro subsistema familiar é o fraternal, que será discutido com maior enfoque neste trabalho. De acordo com Goldsmid e Carneiro, (2007), há  diferenciação entre laço fraterno e relação fraterna. O primeiro se define pelo compartilhamento do mesmo laço familiar, ser irmão e irmã em uma mesma família. Na relação fraterna nem sempre acontece esse tipo de vínculo. Ela pode ser próxima ou distante, fria ou afetuosa, pacífica ou conflituosa.

Existem alguns fatores tais como: “gênero, diferença de idade, intervenções parentais e temperamento infantil”, que podem interferir na relação fraterna auxiliando ou prejudicando seu desenvolvimento biopsicossocial (GOLDSMID E CARNEIRO, 2007). 

Esses fatores podem ser explicados das seguintes formas: quanto ao gênero, a crença de que o homem deve ser considerado superior à mulher; a diferença de idade está relacionada às dificuldades de cada um, por exemplo, nas características de personalidade e na questão de poder associada ao mais velho; as intervenções parentais podem estar relacionadas com a mediação de conflitos praticadas pelos pais e/ou responsáveis; o temperamento infantil significa a interrelação do padrão de comportamento com as características de personalidade, pensamentos, sentimentos, habilidades e atitudes individuais que estão presentes.

A história de vida vai influenciar na forma que o indivíduo  utilizará para relacionar-se com os outros e com o meio ambiente. Assim, cada irmão possui sua subjetividade, personalidade,  diferenças e semelhanças entre si, o que pode gerar alguns conflitos dentro e fora da família (TISSOT, FALCKE, 2017).

Destaca-se o interesse pela temática devido à experiência pessoal ao observar sistemas familiares, no convívio. Chama a atenção, a raridade de estudos na comunidade científica. As perguntas que originaram o desenvolvimento deste trabalho são: por que existe violência relacionada a alguns conflitos entre os irmãos? Por que a sociedade negligencia a violência física e/ou psicológica entre os irmãos? Como a defesa da cultura da paz fraterna e familiar pode propor soluções para esse tema?

Assim, o intuito foi pesquisar as manifestações de conflitos entre irmãos, na infância e/ou adolescência que se expressam por meio de agressões físicas e/ou psicológicas. Caracterizar cada manifestação de agressividade, observando as mais comuns, praticadas por meninos e/ou meninas e como prevenir conflitos na fratria, abordando a problemática por meio de práticas de cultura de paz fraterna e familiar. Em caso de violência quando não identificada desde a infância, pode ser prejudicial ao desenvolvimento singular e subjetivo do ser humano.

2. METODOLOGIA

O método de estudo escolhido foi uma revisão narrativa de literatura. Este tipo de metodologia é apropriada para descrever e discutir o desenvolvimento ou o “estado da arte” de um assunto específico, sob o ponto de vista teórico ou contextual. O presente trabalho constitui-se numa revisão de livros, artigos de revistas eletrônicas, com a interpretação e análise crítico pessoal (ROTHER, 2007). O problema investigado foi: “Como se caracterizam, segundo a literatura científica recente, os conflitos entre irmãos?”. 

Como base indexadora, o estudo abrangeu a literatura nacional e portuguesa acerca da violência fraternal, enfatizando dois tipos de produções: livros, dissertações, teses e artigos científicos encontrados nas plataformas de buscas no Google Acadêmico, Scielo, biblioteca da FAMETRO (http://biblioteca.fametro.com.br/autobib/wcMas.asp), portal da CAPES, a partir do uso de descritores: “irmãos”, “fraternal” e “violência”. Foram realizadas as interseções possibilitadas pela combinação dos termos utilizados, a partir do operador booleano and

Os critérios estabelecidos para a inclusão dos estudos foram: artigos publicados no período de 2007 a 2020, com  enfoque na violência entre irmãos, redigidos no idioma português, por ser a contextualização fundamentada na cultura brasileira e portuguesa. Os critérios de exclusão foram: estudos que apresentavam o enfoque na parentalidade e na conjugalidade; artigos encontrados no período anterior a 2007. 

A pesquisa bibliográfica, bem como a coleta de dados foram realizadas a partir da análise de revisão literatura de alguns artigos,  no período de fevereiro a junho de 2021. Foi realizada inicialmente, a leitura minuciosa dos resumos da literatura encontrada a partir dos unitermos utilizados e combinações destes, excluindo-se os artigos que não se adequaram aos critérios estabelecidos. Para a segunda parte deste estudo, foi integrada a leitura de livros e textos que aprofundam a temática sobre família e violência intrafamiliar. Para este fim, foram sistematizados diversos fatores que interferem nas relações dentro do contexto fraternal. 

3. RESULTADOS e DISCUSSÃO

3.1 Manifestações de violência física e/ou psicológica mais comuns praticadas entre irmãos

No contexto familiar, o subsistema fraternal e/ou da fratria se inicia pelo nascimento do segundo filho, durante a infância e/ou adolescência. As diferenças de ideias, sentimentos e ações podem gerar conflitos, que são inevitáveis, mas o problema começa quando existe o uso da violência como forma de resolver os conflitos fraternos dentro e fora da família. 

Das táticas abordadas entre as relações de conflitos na fratria os autores Lopes et al., (2017), consideraram duas: a negociação e a violência. Estes autores citam uma inter-relação entre a negociação dos conflitos fraternais e a demonstração de preocupação com o irmão/irmã,  comportamento comum praticado por um irmão/irmã, variando no percentual de 95,9% a 97,9% respectivamente, para mulheres e homens. 

Em relação às táticas de violência observadas neste estudo, foram consideradas apenas três das quatro existentes, de acordo com os autores (Lopes et al., 2017). A física,  prática de ações com o propósito de causar dor, ferimentos físicos ou, raramente, a morte de um irmão ou irmã; a psicológica, que envolve palavras e ações que humilham, ameaçam, desvalorizam e/ou rejeitam a outra pessoa e a relacional, um tipo de violência social ou indireta, na qual muitas vezes a vítima nem tem conhecimento das ações do agressor (LOPES et al., 2017; e RELVA et al., 2012).

Lopes et al. (2017) realizaram um estudo com 463 adolescentes portugueses, mostrando irmãos utilizando a violência como estratégia de resolução de conflitos dentro da família. Eles estimaram qual a frequência dos comportamentos violentos e analisaram se essas táticas variavam em função da idade, do sexo e do tipo de fratria. Os resultados foram obtidos a partir dos tipos de agressão: física com e sem sequelas, além da psicológica.

De acordo com a pesquisa de Lopes et al., (2017) em relação ao abuso físico sem sequelas, o comportamento mais comum encontrado entre os irmãos de sexos diferentes é empurrá-lo ou apertá-lo por causa da ação-reação, variando de 50,3% a 53,8%, respectivamente, para mulheres e homens. Em relação ao abuso físico com sequelas, menos frequente, o comportamento evidenciado é o de que a vítima teve uma entorse, pisadura, ferida ou pequeno corte por devido à luta com o praticante, variando de 16,8% a 22,8% respectivamente, para mulheres e homens. Na agressão psicológica, os comportamentos mais comuns relatados entre os irmãos de sexos diferentes são o ato de gritar ou berrar, “porque ele/ela fez ou falou algo para irritar”, variando de 78,4% a 84,9%, respectivamente, para mulheres e homens (LOPES et al., 2017).

As relações de fratria descritas por Lopes et al., (2017) vêm sendo pesquisadas e reunidas entre si, mesmo que escassamente. Verificou-se que 75% de um grupo de jovens, com idades entre os 3 aos 17 anos, praticaram, pelo menos, um ato violento contra um irmão ou uma irmã. A diferença de idade entre os irmãos que praticam violência é um fator considerável.  Ela acontece porque os irmãos mais novos possuem dificuldades em relação às características de personalidade que os tornam incapazes de escapar de constrangimentos, humilhações e intimidações. Os mais velhos podem ter vantagem em relação à força física e às vulnerabilidades dos mais novos.

De acordo com Lopes et al. (2017), Relva et al., (2012), a violência praticada pelos irmãos pode estar entrelaçada com o aspecto das diferenças de desenvolvimento físico, intelectual, emocional e da faixa etária, de acordo com as relações do agressor com a vítima e do mais velho com o mais novo. Além do fato de que comportamentos violentos dentro da família, geralmente resultam da aprendizagem de que esse tipo de prática é aceitável. Seguindo o modelo parental, os filhos tendem a utilizar a violência como uma maneira de resolver seus conflitos, seja nas relações familiares ou nas relações sociais.

Segundo Relva et al., (2012), o irmão praticante geralmente é caracterizado como uma vítima de abuso parental ou de negligência, por ser o mais velho e às vezes o substituto parental. Por isso, utiliza a violência frequentemente como forma de exibir poder e também como uma reação contra um irmão percebido como favorito. A violência atua como mecanismo de libertação da raiva, porque nem sempre pode descontá-la nos pais e/ou responsáveis. No caso do irmão vítima, costuma existir uma diferença desenvolvimental (física, intelectual e/ou emocional) em relação ao praticante e ausência de relações de apoio.

Ainda de acordo com Relva et al., (2012), os principais fatores de risco da violência praticada pelos irmãos podem ser descritos como as características da vítima e do praticante. Elas estão presentes em sua personalidade, pensamentos, sentimentos e história de vida. Isto se relaciona com a diferença de idade e o gênero entrelaçados com as características do meio familiar.

Carvalho et al., (2018) realizaram estudos com 353 adolescentes, entre  12 e 18 anos de idade, observando os comportamentos familiares: coesão, comunicação e satisfação familiares. Perceberam que diversas teorias tentaram explicar porque acontecem os conflitos gerados dentro da fratria, como a teoria feminista, que aponta a prática da violência do homem contra a mulher em diversos contextos e por diferentes motivos, como a questão do machismo, a crença arcaica e intergeracional de que o homem é superior à mulher, entre outros aspectos; a teoria do conflito que relaciona a origem da violência na fratria com o favoritismo parental, as tentativas de ganhar controle sobre recursos, a partilha de interesses comuns, a rivalidade, entre outros motivos; a teoria da aprendizagem social significa que as crianças que presenciem e sofrem violência tendem a utilizar este tipo de comportamentos com os irmãos. 

Estes  comportamentos são aprendidos pela imitação e reforço. Há ainda a questão da indisponibilidade parental, caso em que os pais e/ou responsáveis não tiverem uma disponibilidade adequada a cada filho. Estes  podem utilizar a violência como uma maneira de educá-los, o que, consequentemente, pode gerar atos de agressividade entre os irmãos em alguma situação de conflito.

A escassez da literatura nesse assunto deve-se ao fato de que esse tipo de violência é negligenciada e ignorada pela sociedade, por não compreender a gravidade desse tipo de problema. De maneira geral, considera-se a violência praticada por (e contra) uma criança como uma simples briga, luta ou disputa e não como uma agressão, seja ela física ou psicológica. Quando suas consequências são ignoradas, ela se torna aos olhos da sociedade como algo comum e normal. As causas de desavenças, brigas ou discussões podem ser consideradas disputas patológicas quando os elementos: inveja, ciúme e competição se estabelecem como um padrão fixo de relacionamento no grupo. Tais comportamentos  podem transformar-se em poderosos instrumentos mobilizadores de uma guerra interminável entre os irmãos.

Para se entender a complexidade de um sistema familiar são necessários mais estudos por parte dos profissionais da área de psicologia, educação, saúde, justiça, além dos pais e/ou responsáveis, crianças, e adolescentes em conjunto com as comunidades. Desta forma pode-se construir diálogos e compartilhar aprendizados, além de buscar auxílio, em relação à melhoria do funcionamento do sistema familiar. Esses estudos devem envolver valores humanos, como o respeito, à liberdade de escuta e expressão, a empatia, o acolhimento, a sinceridade e clareza, a honestidade, dentre outros. 

3.2. Como prevenir os conflitos fraternais

Relva et al., (2014) relataram em suas pesquisas que Alfred Adler é considerado o iniciador no estudo das relações entre irmãos por ser o primeiro a definir essa inter-relação como o primeiro pequeno círculo social, no qual a criança pode desenvolver habilidades cooperativas, preparando-se para  relacionamentos futuros. A inter-relação entre irmãos significa o primeiro grupo de igualdade do qual a criança participa. Durante o processo de interação nas trocas afetivas, nas brigas, nos momentos de diversão, podem aprender diversas maneiras de negociar, cooperar, competir e se posicionar diante de uma situação. Inclui o sentimento de pertencimento a um grupo e o delinear da individualidade enquanto pessoa. Laços de afeto e de solidariedade também derivam da convivência fraterna (MAGALHÃES et al., 2019).

Os estudos realizados por Lopes et al., (2017), revelam que as disputas, os conflitos e a solidariedade nas relações entre os irmãos são elementos importantes para o seu desenvolvimento. Através deles, ocorre o aprendizado de enfrentar a competição, de lidar com os sentimentos de perda e raiva, de dividir e compartilhar uma parte do seu espaço físico e simbólico. Possibilita o estabelecimento de limites, de maneira pacífica e harmônica.

Segundo Corrêa (2012), o relacionamento entre os irmãos contribui para a harmonia familiar, quando envolve o apoio mútuo, o brincar e para a desarmonia quando predomina a competição. A relação fraterna se caracteriza pela existência de mudanças no equilíbrio individual, nas quais tem início partilhas, negociações e julgamentos. O indivíduo pode aprender diversas maneiras de como reorganizar seus pensamentos e sentimentos, assim como estabelecer seu espaço e assimilar valores humanos,  considerando a existência de seu irmão.

Para que seja possível a inter-relação entre a coerência equilibrada, a comunicação e a satisfação familiares, é importante a negociação, pelo fato de ter conexão com os níveis de comunicação e satisfação, o diálogo é fundamental para a resolução do conflito (CARVALHO et al., 2018).A comunicação não violenta – CNV é uma tática utilizada para a prevenção e/ou resolução de conflitos na fratria. Ela acontece através do diálogo e educação em valores humanos incluindo respeito,  acolhimento,  empatia,  honestidade,  clareza,  sinceridade, etc. A interrelação destes com a fala e a escuta, permite a compreensão e o entendimento de como se expressar diante do outro. Envolve a capacidade de abrir a mente e o coração para perceber os sentimentos, necessidades e pensamentos do outro, com compaixão, respeito e, essencialmente, no aqui e agora (GASPARI, 2020).

A mediação de conflitos está entrelaçada com a CNV de diversas maneiras, uma vez que podem ser explicadas através da presença da conexão nas relações de parceria e colaboração feitas por meio do diálogo. A eficácia dessa comunicação demanda um ambiente propício para falar sobre sentimentos, pensamentos e necessidades específicas de cada membro da fratria(SILVESTRE, 2019). Outra abordagem prática na questão dos direitos humanos e na mediação de conflitos, dentro da fratria e das relações familiares, é a de Moreira e Santos (2017). Trata-se da Justiça Restaurativa, que utiliza as ferramentas e os métodos das Práticas Circulares e da Comunicação Não-Violenta (CNV). Estas evocam questões como solidariedade, empatia, valores, tolerância, respeito e compreensão propondo um convívio pacífico na união de ideias e esforços, busca de identidade e  pacto pela paz.

Segundo Boyes-Watson e Pranis (2011), o círculo é um processo estruturado para organizar a comunicação, a construção de relacionamentos, tomada de decisões e resolução de conflitos. Cria-se um espaço diferente das maneiras das pessoas estarem em convívio, porque o círculo acrescenta e nutre uma filosofia de relacionamento e interconectividade que pode nos guiar em todas as circunstâncias e contextos – dentro do círculo e fora dele. 

Conforme o ritual inspirado por uma prática dos povos nativos da América do Norte, de acordo com Boyes-Watson e Pranis (2011), o círculo significa uma visão de mundo, uma maneira de entender como ele funciona. Os autores explicam que as pessoas, animais e plantas estão interconectados de diversas maneiras e, mesmo assim, existem diferenças e semelhanças entre si. Por isso, é importante que estejam em equilíbrio; além de que cada parte do universo contribui para o todo e é igualmente valiosa. A atividade pode ser realizada a partir dos seguintes passos: 1) Cerimônia de abertura; 2) Peça de centro; 3) Discussão de valores e orientações; 4) Objeto da palavra; 5) Perguntas norteadoras; 6) Cerimônia de fechamento. 

De acordo com Silva e Lucas (2020), a relação fraterna pode ser benéfica de diversas maneiras. O companheirismo e cumplicidade, o compartilhamento de problemas e conquistas; Desenvolvimento das características de personalidade, pela necessidade de estar junto em momentos importantes e específicos para cada um(a); o aprendizado de valores humanos. Além disso,  um irmão/irmã pode simbolizar a existência de um apoio potencial, o que inclui  afeto, companheirismo e  bem-estar, que pode se associar ao entrelaçamento de suporte emocional e social fraterno em conjunto com as lembranças construídas por eles de maneira compartilhada.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Poucos estudos têm sido realizados a respeito da relação fraterna em si. As questões sobre a influência de diversos fatores nas desavenças entre os irmãos e as particularidades do relacionamento entre estes têm sido ignoradas na literatura científica. Os autores Lopes et al. (2017) relatam que é fundamental a análise das táticas de gestão de conflito na fratria e como estes podem ser influenciadas pelo funcionamento familiar. 

Desta forma, é importante que novas investigações sejam desenvolvidas para compreender melhor quais os processos que levam à utilização das táticas violentas na gestão de conflitos fraternos. E, também, perceber como o funcionamento familiar pode contribuir na minimização da de tais práticas e, para que haja a transformação e/ou diversificação de estratégias de gestão de conflitos fraternos a serem utilizadas de maneira pacífica.

Este trabalho contribui como um alerta sobre as práticas de violências entre irmãos, evidenciando que o tema é pouco explorado na comunidade científica, e que esse tipo de violência geralmente é negligenciado pela sociedade em geral. O trabalho tem como objetivo principal trazer algumas contribuições da psicologia relacionadas com as questões familiares e os conflitos entre irmãos. Questões pertinentes ao tema devem ser mais abordadas em pesquisa e ensino, na prática da cultura de paz.

Essencial e inovadora, portanto, é a proposta de ações em conjunto com o envolvimento dos pais, profissionais de saúde, educação e áreas afins. Além de demonstrar a magnitude desta problemática e alertar para  as consequências prejudiciais que podem ocasionar, o objetivo deste trabalho é sensibilizar sobre a importância do ensino e a prática dos Círculos de Construção de Paz, das CNV e/ou da Justiça Restaurativa. É também pertinente motivar a realização de pesquisas e ações com as famílias no tocante às competências comunicacionais, que, possibilitam a melhora nos níveis de coerência, harmonia e satisfação familiares.

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