A transformação de identidade que a maternidade provoca é algo que me confronta desde que me descobri grávida, por isso quero começar essa coluna falando justamente da crise de identidade que enfrentei durante a minha gestação.
A chegada de um filho é um momento único e transformador na vida de qualquer mulher, mas é um período marcado por uma montanha-russa emocional, onde sentimentos de alegria, amor e realização frequentemente se misturam com inseguranças, medos e incertezas. Comigo não foi diferente! Embora eu seja apaixonada por crianças, ser mãe nunca foi o meu “sonho de consumo”. Talvez por isso, após a descoberta inesperada da minha gravidez, a ficha demorou tanto a cair.
Num primeiro momento eu ainda não tinha me identificado com a maternidade, na verdade, eu sequer acreditava que estava grávida. Mesmo com a confirmação, quando estava com quase 8 semanas de gestação, uma sensação de incredulidade persistiu dentro de mim pelo menos até o início do segundo trimestre. Era como se meu cérebro se recusasse a aceitar a realidade diante dos meus olhos.
Contei sobre a gravidez para as pessoas mais próximas na tentativa de fazer eu mesma acreditar naquela notícia. Mas foi só a partir do segundo trimestre que a ficha começou a cair lentamente. Foi como se um despertar tivesse ocorrido dentro de mim, impulsionando-me a enfrentar os desafios e as alegrias que estavam por vir.
À medida que a realidade da minha gravidez começou a se estabelecer, começou a minha trajetória de altos e baixos que eu jamais poderia ter previsto. Desejar e não desejar a gravidez, querer e não querer que o bebê nascesse logo, senti-me frágil em um momento e poderosa no outro. Experimentei uma variedade de emoções que oscilavam entre a euforia da expectativa e a ansiedade paralisante do desconhecido.
Por um lado eu estava feliz, pois eu queria um filho naquele ano, mas uma parte de mim achava que não era aquele o momento. Pensei em todos os planos. Pensei em minha vida profissional. Eu tinha acabado de passar pelo período de experiência de um trabalho que foi o melhor da minha carreira. Não conseguia parar de pensar até que ponto uma gravidez poderia interferir e mudar completamente os rumos dos meus planos.
Como deixar de ser somente filha para me tornar mãe? Eu ia ter que refazer os projetos profissionais e pessoais. Eu não era mais a mesma pessoa! Eu não queria que o rótulo da maternidade anulasse quem sou fora do papel maternal, mas eu não sabia muito bem como lidar com isso. E assim, começava a minha crise de identidade e a luta para equilibrar todas as minhas outras facetas – profissional, parceira, amiga, filha.
Os primeiros meses de gestação vieram acompanhados de um turbilhão de sentimentos até então desconhecidos. Entre as mudanças físicas e emocionais, vivi momentos de muita felicidade e expectativa. Mas como nem tudo são flores, também foi um tempo de desafios e confrontos com minha própria autoestima, que já não era tão alta mesmo antes da gravidez. Olhar para o espelho durante essa fase era como encarar um estranho. O reflexo que me devolvia não era aquele que eu esperava encontrar. Embora as pessoas ao meu redor dissessem que eu estava linda durante a gravidez, eu não enxergava isso.
Apesar das palavras encorajadoras dos outros, eu me sentia como uma cobra que engoliu uma capivara. A minha barriga era a única coisa que parecia ter mudado. Eu não ganhei peso significativo, minhas pernas continuaram finas. Eu costumava debochar, dizendo que nem mesmo uma capinha de gordura se atreveu a se instalar sobre os ossos do meu quadril. Meu deboche era uma tentativa frágil de mascarar a minha própria insegurança. A verdade é que eu tinha vergonha de ser vista grávida. Sentia-me esquisita, fora do lugar, como se não pertencesse ao meu próprio corpo.
Não era apenas a aparência física que me incomodava, mas a sensação de desconexão comigo mesma. Era como se meu corpo e minha mente estivessem em campos opostos, lutando para se reconciliar com essa nova identidade. Eu me sentia feia, desajeitada, incapaz de reconhecer a mulher que eu era antes de engravidar. As interferências externas também exerceram uma pressão significativa. Comentários bem-intencionados sobre como a gestação é a melhor fase, a mais plena, a que faz nos sentir radiantes, me traziam a sensação de estar sendo constantemente julgada. Eu me via em um paradoxo, tentando me encontrar em meio à imagem materna idealizada e a realidade que me confrontava.
Não! Eu não me sentia radiante como ouvia outras mulheres dizendo e tentando me convencer que eu também deveria me sentir assim. Por isso eu sentia culpa. As expectativas internas, muitas vezes exacerbadas pelas imagens idealizadas de maternidade que o senso comum nos apresenta, me faziam cair num sentimento de inadequação. Diante desse conflito interno, eu não conseguia curtir a gestação, o que me deixava num desânimo profundo.
Quando a minha barriga começou a crescer de forma mais pronunciada, o desânimo foi dando lugar a uma nova energia que me impulsionava a aproveitar cada momento da gravidez, inclusive criei coragem para fazer o ensaio de gestante. Eu sentia os movimentos sutis do bebê, vinham os sentimentos de alegria e gratidão, mas logo se misturavam com preocupações sobre o futuro e dúvidas sobre minha capacidade de ser uma boa mãe. Então, aos poucos, comecei a perceber que essa luta não era apenas sobre a minha aparência física. Por mais que eu tentasse abraçar as mudanças em meu corpo e lutar com problemas de autoestima, ao me olhar no espelho, sempre me questionava se era boa o suficiente para ser mãe, se era digna de trazer aquela nova vida ao mundo. Essa insegurança era como sombras que pairavam sobre mim, ameaçando obscurecer a alegria daquele momento especial.
A essa altura do campeonato, eu já era vista por todos como “mãe”. Embora eu também já tivesse incorporado a identidade materna nesse momento, ser vista e, muitas vezes, chamada de “mãe” só intensificava a minha crise de identidade. Quando alguém se referia a mim como “mãe”, esse tratamento, embora afetuoso, parecia ser mais sinal de que minha identidade individual estava começando a se fundir com a minha nova função materna. Aquilo me causava um certo incômodo porque acredito que ser mãe é uma parte significativa da nossa identidade, mas não deve ser a única. A possibilidade de ser vista exclusivamente como mãe me incomodava, e eu comecei a me questionar sobre quem eu seria além de minha nova função.
O que para muitas mulheres é um processo natural, para mim foi desafiador e complexo. As cicatrizes emocionais começaram vir à tona nesse período da gestação e foi necessário trabalhar o autoconhecimento em busca de uma formação saudável da minha nova identidade. À medida que meu corpo se transformava para acomodar a nova vida que crescia dentro de mim, eu precisei fazer essa transformação mental.
Passei a me concentrar apenas no que estava sob o meu controle. Foquei em estudar sobre gravidez e o parto, mantive uma dieta balanceada, me dediquei na prática de atividade física e passei a buscar momentos de relaxamento para cuidar de minha saúde mental. Experimentar essa onda de emoções me ensinou que a maternidade não se trata apenas de aceitar as mudanças em nosso corpo, mas também de celebrar a jornada que nos transforma em mães. E, apesar das lutas internas, comecei a abraçar essa nova fase da vida, mesmo quando tudo parecia estar fora do lugar.
Reconhecer e aceitar a montanha-russa de sentimentos que acompanhou a chegada do meu filho foi um passo importante para que eu encontrasse equilíbrio. De certa forma, enquanto eu me preparava para dar à luz meu filho, precisei dar à luz a uma nova versão de mim mesma. Foi um processo gradual, uma jornada para encontrar beleza na transformação e força na vulnerabilidade, mas que me proporcionou descobertas, aceitação e crescimento porque percebi como é importante nos reconhecermos como mães, sem deixar de buscar maneiras de redescobrir quem somos fora do papel maternal.
Hoje, meu filho com quase 1 ano e meio, posso dizer com tranquilidade que me reconheço como mãe, abraçando com amor e dedicação o papel maternal, sem, no entanto, abandonar a busca por minha identidade individual. Maternar é uma experiência transformadora, mas é igualmente importante lembrar que somos mulheres com sonhos, interesses e ambições próprios. Encontrar um equilíbrio saudável entre cuidar de nossos filhos e cultivar nossas paixões pessoais não apenas enriquece nossas vidas, mas também serve como um poderoso exemplo para nossos filhos. Ao nos redescobrirmos e valorizarmos quem somos fora do papel maternal, nos tornamos mães mais completas e mulheres mais felizes.