Lembro de uma das ultrassonografias que fiz quando estava grávida da minha segunda filha Tamyres, na qual a médica ficou surpresa ao detectar na ultra a retina dos olhinhos dela, chamou mais duas médicas para verem e elas ficaram encantadas, pois nunca tinham visto nada igual antes. Uma delas disse, “ Está cristalina a retina, que lindo!”.
Jamais, nem no meu pior pesadelo, poderia imaginar que minha filha nasceria com deficiência visual, sem enxergar. Mas como? A retina apareceu na ultra, estava cristalina!
No dia 13 de dezembro nascia minha pequenina Tamyres, e assim que a trouxeram para mim notei um tom azulado em seus olhos, comentei, “Ela tem olhos azuis? Seus olhinhos estavam mais fechados que abertos, já era noite e eu estava cansada, com sono”. No dia seguinte o pediatra veio conversar comigo e me deu a notícia que nenhuma mãe quer ouvir.
Depois de falar algumas coisas me disse, “Sua neném nasceu sem enxergar”. Depois do choque, consegui prestar atenção e saber que um cirurgião já havia examinado minha filha, dado um diagnóstico inicial e saí do hospital com data marcada para consulta e data prevista para cirurgia.
Fomos para casa com a esperança de que a cirurgia pudesse fazer minha filha enxergar, já que o diagnóstico era glaucoma e catarata congênita bilateral e pensava que se a retina estava cristalina isso era um bom sinal.
Na semana que a consulta estava marcada, o médico foi assassinado quando voltava da igreja com sua esposa. Ao saber da notícia fiquei chocada com o ocorrido, triste e sem chão, pois era um ótimo médico. Começamos a luta em procurar um oftalmologista que operasse bebês e fomos em uma indicação da médica que fez meu parto.
Antes da cirurgia que foi com 43 dias de nascida, nossos dias eram de muita oração, pedindo a Deus que tudo corresse bem. No dia 26 de janeiro de 1994, Tamyres foi operada do glaucoma e para nosso desespero recebemos mais uma notícia muito triste e desanimadora.
Além do glaucoma, ela tinha leucoma bilateral, não era catarata. Leucoma é uma opacidade corneana, a córnea toma aspecto branco em toda sua extensão ou em parte, e no caso da minha filha foi na córnea toda e era considerado grave.
Após a cirurgia do glaucoma o médico disse que a única solução seria um transplante de córnea e que até aquela data nenhum bebê tinha feito tal cirurgia. O médico disse que estudaria, pesquisaria para fazer o possível para realizar a cirurgia caso nós autorizássemos.
Resolvemos procurar um cirurgião muito conceituado que disse com todas as letras, “Sinto muito, mas não tem o que fazer, sua filha não vai enxergar nunca”. Ao relatarmos a opinião do oftalmologista que nos deu esperanças, ele disse ser falta de responsabilidade do colega de profissão, que era impossível realizar um transplante em um bebê. Eu e meu marido saímos daquele consultório com uma dor indescritível, pelo diagnóstico e revoltados pela falta de sensibilidade do médico. Saímos do consultório o mais rápido possível, a minha vontade era quebrar tudo de tanta revolta que senti, mas a dor era muito maior que me paralisou.
Retornamos ao primeiro oftalmologista e contamos que fomos em busca de uma outra opinião. Relatamos o que ouvimos, ele deu várias orientações e disse que faria o possível, mas estava em nossas mãos decidir. Fomos pra casa e após uma conversa, eu disse, “ Vamos pedir a Deus para nos orientar e amanhã teremos uma resposta”. No dia seguinte nós dois já tínhamos uma resposta e era a mesma, decidimos confiar primeiro em Deus e também no médico.
Fizemos o tratamento com colírios, estimulação visual com pisca – pisca para jogar luz na retina, tudo com muita fé. Graças a Deus, aos 9 meses Tamyres fez o primeiro transplante de córnea e foi um sucesso.
Dois dias depois, um lustre de palhacinho pendurado no teto do consultório balançava pra lá e pra cá, e lá estávamos nós chorando de emoção, pois ao retirar o curativo da vista, Tamyres enxergou pela primeira vez. Vimos seu olhinho brilhando, acompanhando o palhacinho que balançava. Fomos para casa com uma missão, ter o máximo de cuidado para que Tamyres não esfregasse a vista e muita fé e oração para não ter rejeição.
E a espera pela outra córnea continuava, e no dia treze de dezembro aniversário de um aninho dela, atendi uma ligação e do outro lado da linha eu recebia a notícia mais maravilhosa, um presente de Deus que era a segunda córnea e a cirurgia para o dia seguinte.
O segundo transplante foi também um sucesso e da mesma forma ao retirar o curativo começou a enxergar da outra vista. Os cuidados continuavam, Tamyres passava o dia todo de luvinhas, dormia com os bracinhos enrolados com um lençol deixando o antebraço em movimento, porém de uma forma que não levasse as mãos no rostinho.
Eu e meu marido revezávamos durante a noite para tomar conta dela, foram alguns meses assim. Sempre tive rede de apoio, e uma das minhas parceiras era minha filha mais velha de 5 aninhos, Ana Carolina ficava durante o dia por muitas vezes vigiava a irmã para não esfregar os olhinhos, brincava com ela, foi uma babá maravilhosa.
Mas em uma manhã percebi algo estranho na vista esquerda da Tamyres, gelei na hora e levei-a ao oftalmologista. Ao examiná-la constatou uma úlcera, ela corria o risco de perder a visão. Foi muito doloroso pensar que algo ruim poderia acontecer, mas não perdemos a fé. Fizemos o tratamento e orávamos para que ela ficasse curada e não perdesse a visão daquela vista.
Alguns dias de tratamento e ao retornarmos ao consultório, quando o oftalmologista foi examiná-la ficou surpreso pois a úlcera havia cicatrizado sem causar danos a córnea, mais uma benção. Desde então seguíamos com as consultas de rotina, e cada vez o coração disparava. Hoje, aos 28 anos, Tamyres enxerga bem dentro do seu quadro clínico, tem baixa visão, enxerga bem de perto, não enxerga bem de longe devido uma miopia alta e outro probleminha, contudo agradecemos todos os dias pelas vitórias alcançadas.
A mensagem que quero deixar é que nunca devemos perder a fé mesmo quando tudo parecer não ter solução, mesmo que nuvens escuras caminhem em nossa direção, dias ensolarados surgirão no dia seguinte. Viver um dia de cada vez como se fosse o único, pois assim o é.