Mulheres-mães protagonistas da própria história

COLUNA | BLW ou BMW? A cor da insegurança alimentar

COLUNA | BLW ou BMW? A cor da insegurança alimentar

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Chegamos na tal IA (introdução alimentar) da segunda filha. Quando tive a primeira; há dezesseis anos, a idade equivalente, o contexto só me permitiu vivenciar essa fase pelas premissas de minha mãe: A fruta foi ofertada aos quatro meses e a papinha líquida entrou na rotina, entre estudos e “namoricos” no portão, aos seis meses de vida da bebê.

O cuidado em fazer uma papinha completa e fresca levou à um ser rechonchudo e saudável, mas, tão logo afasto a lembrança, me vem à tona a realidade de que hoje, aos dezesseis anos de idade, minha filha mais velha rejeita com veemência a maior parte das frutas, verduras e legumes. 

Frente a isso, trato de tragar mais esta culpa e me ponho à tarefa de querer fazer melhor. E desde a barriga cheia da segunda filha, pesquiso sobre formas de aprimorar meu maternar. Quando, para minha surpresa, descubro que o fiz de “maneira errada” quase que na totalidade nesta primeira vez, inclusive na IA. 

Ante ao pânico imediato, passo a consumir teorias bonitas que se demonstram pouco práticas em minha realidade e, penso que na de muitas mulheres como eu, uma delas é o tal BLW. 

Que a técnica do Baby-Led Weaning é eficiente e holística, não tenho dúvidas. O universo de cortes, texturas, sabores e cores a ser apresentado aos bebês é fascinante.

A literatura não tarda em admitir como parte da experiência o desperdício alimentar e as rejeições sistemáticas; por conseguinte, alerta para a necessidade de manter a alimentação via LM ou fórmula como fonte principal até 1 ano de idade, mas, por aqui a prática está se tornando impraticável. 

Dado à rotina, ao preço dos alimentos, lançados ao chão diariamente, e a demora do processo frente a emergência de diminuir as mamadas; uma vez que o preço da fórmula sobe a passos largos e a secura do peito remete à rotina de trabalho.

De acordo com o projeto Igbaya, de apoio à amamentação negra, ainda que faltem dados específicos, indicadores correlatos atestam que mulheres negras encontram mais dificuldade para garantir AE (aleitamento exclusivo) até os seis meses de vida do bebê; graças a maior exposição ao mercado de trabalho desregulamentado, sem direito à licença maternidade, bem como uma pior assistência à amamentação, decorrente das condições sociais e do próprio racismo- que favorece estarmos mais expostas a atitudes discriminatórias por parte dos agentes de saúde.

O racismo estrutural e histórico nos coloca em posição de figurar os piores indicadores sociais, acumulando salários mais baixos e a maior taxa de desemprego. De acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, mais da metade dos lares brasileiros (55,2%) encontra-se em algum nível de insegurança alimentar. Todavia, a de grau severo é maior entre pretos (10,7%) e pardos (58,1%). 

Conquanto, nos últimos dois anos o cenário de insegurança alimentar também avançou entre aqueles que não se encontram em posição de pobreza e esse quadro também é maior entre lares cujo arrimo são as mulheres. E para arrematar o cenário, o risco de morte por desnutrição infantil é 90% maior entre crianças pretas e pardas.

Nesse sentido, fica difícil de engolir determinadas práticas quando estas são propaladas sem o devido pano de fundo sócio político da maioria da população do país. As culpas maternas não precisam de mais essa demanda.

Fico pensando nas mães que assistimos no grupo de ajuda mútua do qual faço parte. Muitas delas têm a cesta e mais nada. A ponto de seus filhos menores de seis meses já nem aceitarem outro leite, senão o da caixinha. Talvez, para elas o BLW soaria como nome de carro importado. 

Referências Bibliográficas. 


Texto revisado por Vanessa Menegueci.

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