Que atire a primeira pedra quem nunca na vida acordou de veneta querendo dar patada em todo mundo com o único desejo de não ser incomodado o dia inteiro mas teve que sair para trabalhar ou ir à faculdade e interagir com pessoas. Isso é normal. Somos seres humanos, temos sentimentos e, nem sempre, eles são fáceis de lidar ou de explicar.
O mesmo acontece com crianças, inclusive neuroatípicas. Já cansei de contar as vezes que eu chego na escola pegar minha filha e sou questionada se dei o remédio pela manhã, se o remédio está sendo o suficiente, se não está na hora de testar novamente um remédio que deu errado no passado (como se fosse um ratinho de laboratório), várias insinuações de que, porque a criança não está numa vibe namastê, ela precisa ser mais e mais e mais medicada a ponto de ser “fácil” lidar com ela. Spoiler: NUNCA é fácil lidar com crianças. Só que não é só comigo não.
Tenho conversado muito com vários responsáveis de crianças atípicas e esse relato sempre vem, inclusive de mães mais despreparadas para enfrentar as nada inofensivas sugestões e as mais desesperadas também. Precisamos lembrar que NINGUÉM tem somente dias completamente felizes sem experimentar um estresse, especialmente em cidades grandes e ambientes que exigem muita socialização o tempo todo, o que é o caso de uma escola, um grupo de terapia.
São locais que exigem que você conviva obrigatoriamente em sociedade por muitas horas seguidas sem um descanso enquanto até no trabalho você tem um horário de almoço em que pode ouvir música enquanto come e ignorar o resto da existência humana por uns 40 minutos. Nem isso as crianças têm.
Não é de hoje que eu penso que a escola é um ambiente estressor e para alguns casos muito específicos eu defendo sim a prática do ensino domiciliar que UM DIA eu prometo escrever sobre, mas não agora. Não somente na escola, mas também em casa ou em festas ou qualquer lugar onde há uma criança (ou mais) sejam elas típicas ou atípicas, é estranho como os adultos querem cobrar delas comportamentos que nem eles mesmos têm.
Crianças são seres impulsivos e curiosos por natureza. Eles falam na lata o que pensam, perguntam o que querem saber e se não está bom ali ,querem sair. A vida com eles é bem simples (e eu gosto muito mais das crianças que de adultos, teje dito).
Não é justo e nem faz sentido cobrar deles comportamentos quietos e introspectivos, principalmente se não faz parte da personalidade deles. E isso também precisa ser levado em consideração: crianças têm personalidade justamente por serem – pasmem – PESSOAS. Nem tudo na criança atípica é uma comorbidade. E se for uma comorbidade, nem tudo é culpa da mesma.
Uma criança hiperativa pode ter um tempo de tolerância maior quando uma atividade é interessante. Já se for algo chato, não espere nem que eu vá prestar atenção em você, que dirá a criança. É preciso que nós adultos olhemos para as crianças como os indivíduos que realmente são, que eles têm suas vontades, seus anseios, ímpetos, sentimentos, pensamentos, seus siricoticos e lembrar que nós também temos, que não somos perfeitos e que mesmo que a gente consiga se manter quieto em uma situação modorrenta, a gente não tá feliz com aquilo.
Ou seja, é muito injusto esperar que a criança AME estar em uma situação chata que você adulto supôs que ela ia achar legal e virar para uma mãe dizendo que a criança precisa de Ritalina só porque ela não está conseguindo se interessar pelo seu trabalho (desculpe, acho que você precisa rever sua forma de lidar também antes de socar alopatia em um ser tão pequeno).
A mesma coisa vale para passeios no shopping, no parque ou onde for. Se você for uma pessoa que está passeando normalmente por aí e vê uma criança tendo uma crise (ou de repente é só uma birra), se não for para ajudar passa reto. Não fica se intrometendo falando “Noooossa não fala assim com a sua mãe” (porque se a mãe for tipo eu você toma bronca na frente de todo mundo), não fica ali julgando, não fica ali dizendo que se fosse seu filho não faria isso (porque não é seu filho e se você não tiver filho a chance de ser pior com você é enorme).
Não tem sentido as pessoas se comportarem como se crianças fossem mini adultos ou como se fossem pequenas máquinas de obedecer. Nem adulto obedece, vai falar de uma criança? É claro que precisamos impor limites, é claro que estamos moldando os pequenos cidadãos, isso tudo é bem óbvio, mas é importante dizer que por maior que seja o nosso esforço, sempre vai ter aquele momento em que eles estão virados no Jiraya e a gente vai ter que lidar com isso, vai ter que conviver, vai ter que tolerar mesmo que sejam somente 5 minutos.
Não julgue, não jogue culpa em tudo e por favor, se você não for o psiquiatra daquela criança, não vem receitando Ritalina porque não é bala pra dar assim. Respeite as crianças. Seja mais compreensivo. Essa atitude dá de 10 a zero em qualquer indicação medicamentosa que você tenha tirado do Google ou do seu vizinho.