Uma semana antes do parto, a família escuta da nova psiquiatra: “Caso a Larissa tenha psicose puerperal, de uma hora para outra ela pode tentar se matar, pular da janela ou machucar a Alice… Então ela tem que ser supervisionada, não pode ficar sozinha.” Não sei se foram exatamente essas palavras, mas foi o que me recordo. Ela falou isso para explicar que eu precisaria de auxílio, de rede de apoio…
Eu já sabia o que acontecia nestes casos, mas a fala ficou ecoando em minha cabeça até ela fazer uns 3 meses, quando a hipótese diagnóstica de autismo se tornou mais evidente.
Eu tinha medo de machucar minha filha. Todo o tempo. Minha família também. E este medo permeou todos os primeiros momentos com ela, em maior ou menor intensidade. Poucas vezes eu conseguia me desligar disso.
Nas primeiras noite no hospital eu estava escutando sons,mesmo com o tampão de ouvido. Achei que tinha enlouquecido. Imediatamente enviei mensagens para a psicóloga e para a psiquiatra, mas elas tentaram me tranquilizar. Não funcionou.
Cada vez que eu escutava algo, o pavor me atingia. Como não conseguia me levantar por causa da cesárea, agradeci por ter o Danilo cuidando dela, e sempre comigo. Com alguém no quarto eu não machucaria ela. No segundo dia descobri que o hospital estava em obras, mesmo de madrugada. O barulho não era invenção da minha cabeça. Era uma hipersensibilidade auditiva.
A família ligava o tempo todo para saber como estávamos, sempre que dava Danilo e eu mandávamos notícia no grupo de WhatsApp.
Eram quase 19h, eu saí do meu primeiro banho após o parto, um que eu escolhi lavar o cabelo e estava demoradamente aproveitando bastante, e o Danilo estava trocando ela. Os celulares estavam tocando e não atendemos. (A gente tinha esquecido que ela usava fralda nas primeiras horas, até que a enfermeira da manhã perguntou como estava o xixi. Após isso começamos a conferir de meia em meia hora, e a trocar a cada três horas no máximo.)
Ele começou a trocá-la, e ela chorou. Eu estava sem roupa e peguei ela no colo para acalentar. Ela fez xixi e um cocô que escorreu pela cicatriz da cesárea. Ela ainda não tinha tomado um banho, pois eu queria esperar pelo menos 24h após o nascimento, e pela manhã quando a enfermeira passou ainda não tinha dado tempo. Eu, que não tinha chamado nenhuma enfermeira até então, pois estava segura nos cuidados com a Alice, falei:
- Corre lá fora e chama a enfermeira. (Minha única dúvida era no banho, a parte do umbigo. Fiz dois cursos online de cuidados com o bebê, mas cada um falava uma coisa…).
Ele voltou e disse que estavam em troca de plantão e não tinha ninguém disponível por enquanto. Os celulares tocando.
Eu falei:
- Vai ter que ser de chuveiro, não dá tempo de desmontar o berço/banheira da maternidade e esperar encher. Ela ia ficar muito tempo pelada. Ele arregalou o olho.
- E vai ter que ser nós dois.
Liguei o chuveiro, conferi a temperatura e molhamos ela da cintura para baixo. Lavamos ela, embrulhamos e falei para ele colocar ela na cama e ir enxugando enquanto eu me lavava novamente. Saí de toalha, e fui arrumá-la, enquanto o Danilo ia se lavar, pois tinha molhado a roupa ao nos ajudar no banho. Lembrei do umbigo: tem que secar com o cotonete e passar o álcool. Não levamos gazinha!! Olhei para a cama, estava do lado da porta, abri a porta de toalha e gritei para a primeira pessoa que passou no corredor:
- Preciso de gazinha!!!
Felizmente me entregaram, cuidei dela, coloquei no berço e fui me vestir. O Danilo acabou o banho e se vestiu. Fomos ver os celulares e retornar as ligações: estavam de-ses-pe-ra-dos achando que algo tinha acontecido. Atribuo parte ao desespero natural deles, e parte à fala da médica e à interpretação literal que devem ter tido.
Eram 20h20 quando uma enfermeira passou no quarto perguntando se precisávamos de ajuda.
Eu tinha medo de machucar minha filha. Todo o tempo. Depois descobri que isso se chama pensamento fixo, em autismo. Um diagnóstico, mesmo que tardio, salva vidas.