Coluna | Dia Mundial de Conscientização do Autismo: “Nós vamos sorrir, sim” 

Celebremos não para dizer “eles podem”, mas para estampar com muito sorrisos  um “nunca duvidei”

Coluna | Dia Mundial de Conscientização do Autismo: “Nós vamos sorrir, sim” 

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Mães atípicas não são ativistas por escolha. Com o diagnóstico, se abre uma cortina de problemas sociais com os quais passamos a conviver pelo resto da vida. Um sem fim de questões diárias e o preconceito estrutural chamado capacitismo. Se quisermos que nossas crianças, adolescentes, filhos adultos, tenham algum direito garantido temos que gritar, exigir, lutar.

E é no cotidiano onde somos mais ativistas: família, vizinhos, plano de saúde, SUS, escola, transporte escolar, transporte público… não falta luta, não falta demanda, não falta necessidade de agir, de ativar. Porém, não somos nem guerreiras, nem vítimas: somente mães tentando todos os dias fazer o básico: alimentar, dar lazer, educação e saúde para seus filhos.

Sonhamos alto: sonhamos com autonomia para a comunidade autista, sonhamos com inclusão real, sonhamos com moradia assistida, sonhamos com não ter que mais uma vez explicar o que é autismo, que ele é um espectro, que não é doença. Sonhamos e agimos, no micro, no macro, na existência.

Enquanto sonhava e agia (e chorava também), minhas filhas cresciam, se desenvolviam, iam colecionando pequenas grandes vitórias cotidianas. Olhando para elas tão desenvolvidas: lendo, escrevendo, cozinhando comigo, dizendo poucas, mas objetivas palavras, desenhando, pintando, dançando, percebi que, por conta de tanta luta, olho muito para o que falta e vejo pouco o que temos.

Falta muito, já sabemos, né? “E o que sobra?” me perguntei então.

Muitos episódios engraçados sobre a descoberta da vida, muitas tardes coloridas de corante alimentício, muitas brincadeiras com água e sabão, macarrão cozido, giz de cera, espuma de barbear, areia mágica, slime. Sobram os dias de banhos longos com choro e reclamação, mas também com musiquinhas acalmando e risadas no final, tardes frescas na rede, enquanto lemos juntas um livrinho com sons, cheiro de bolo de banana invadindo a casa, peças de lego espalhadas, mas também, todo tipo de robô montado – sobram desenhos que nem mais sei onde guardar…

Tem muita dedicação, afeto e empatia no cotidiano da comunidade autista. E existem as mães, os cuidadores, que aprendemos logo a celebrar cada pequeno detalhe porque, depois que mil deles se juntam, conseguimos ver tanto avanço que a nos custa acreditar que já foi mais difícil.

Falando como mãe de crianças autistas, mas que também carrega algo dessa genética, como espectadora de primeira fila de toda uma comunidade, posso dizer que sobra resiliência, sobra empatia de verdade, sobra esperança, sobra persistência, risadas altas, gritaria boba, música, danças sem ritmo, sobram pulos, sobra aquele olhar na sala de espera de um consultório que você recebe de outra cuidadora e que significa “eu te vejo”. Nossa comunidade existe e nessa existência somos potentes. 

Hoje, celebro minhas filhas, todas as crianças autistas, os adolescentes autistas, os adultos autistas. Celebro, neles, a capacidade de todos os dias existir num mundo que é muito, é pouco acolhedor e é julgador. 

Celebremos, então, nossa caminhada cotidiana, ativista e transformadora. Celebremos não para dizer “eles podem”, mas para estampar com muito sorrisos  um “nunca duvidei”. Cada pequeno passo da jornada das minhas filhas, foi dado com muito esforço, cada habilidade adquirida foi com muita paciência e dedicação, todo dia é dia, e vamos vencendo, um por um. Sabemos, nós cuidadores principais, o sabor de ver eles alcançarem metas comuns, mas para nós verdadeiras maratonas completadas.

Hoje, não vou falar do que falta porque, hoje, quero ressaltar que, apesar de, e remando contra a maré, autistas todos os dias revolucionam lugares comuns, dão show de talentos e conseguem nos ensinar que este mundo caótico, e de uma lógica da funcionalidade, precisa urgente aprender a respeitar as diferentes temporalidades, as diferentes formas de entender e ver o mundo, as diferentes formas de expressão e presença.

Celebrar para lembrar porque ainda lutamos, celebrar pra ter forças para continuar batendo portas, abrindo processos, reclamando, indo de A a Z exigindo nossos direitos.

Neste abril, nessa data de conscientização do autismo, celebro que autistas todos os dias mostram ao mundo seu valor, fazem feitos inimagináveis, superam barreiras, quebram tabus. Celebro as conquistas, mas continuo a lutar para que elas sejam de todos, que sejam leves e que não nos roubem a alegria.

Vamos sorrir, sim!

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