Mulheres-mães protagonistas da própria história

COLUNA | Crise: uma guerra não tão silenciosa

COLUNA | Crise: uma guerra não tão silenciosa

Compartilhe esse artigo

Feche os olhos e imagine a seguinte cena: você está em um ambiente com barulho de vidro quebrando. Muitos gritos, palavrões, pontapés nas portas, cadeiras sendo derrubadas. Você se esconde para não ter nada pesado atirado contra a sua cabeça. Isso dura uns 20 minutos. O que você imaginou?

Fiz o teste dessa descrição e enviei a alguns grupos de pessoas. Foram mais de 15 ouvindo e as respostas foram basicamente briga de bar, protestos, briga na balada, briga em uma festa. Sempre imaginando adultos bêbados e descontrolados. Perigo na certa. Pois bem, isso é uma das crises que uma criança neuroatípica pode ter.

Eu sei que isso pode assustar quem não conhece a maternidade atípica, mas quem vive isso já não é tão diferente assim. Talvez algumas tenham filhos cujas crises é sentar e chorar, mas sempre se conhece algum amiguinho da terapia cuja crise é mais pesada, mais forte e, dependendo do diagnóstico e das comorbidades, isso pode se agravar, se tornando mais difícil e perigosa.

Em primeiro lugar é indispensável que a gente lembre que crianças com alguma deficiência intelectual têm mais dificuldade em se comunicar. Não é apenas a questão do falar, mas de se expressar. Muitas delas sabem manter algum diálogo, mas têm uma enorme dificuldade em expressar seus sentimentos, especialmente as frustrações.

Muitas vezes as mesmas aparecem em formas de gatilhos para crises que acabam se desenrolando de acordo com o que a criança está sentindo neste momento. Ela busca nos gritos, no choro, no expressar a raiva, no atirar coisas o expurgo das sensações que machucam por dentro quando alguma coisa não saiu como esperado. E, depois de passada a crise, tudo pode voltar ao normal como se nada tivesse acontecido. Isso é comum entre eles e é indispensável que a sociedade esteja preparada para não dificultar ainda mais essa situação.

Em alguns momentos, abraçar, cantar alguma música, mudar o foco, pedir para respirar, entre outras técnicas que aprendemos ao longo da vida conforme a necessidade do cotidiano até ajudam. Mas tem dias que nada é viável além de deixar acontecer, obviamente cuidando da segurança de todos os envolvidos.

Julgamento e preconceito em público

Eu sei que até agora você pode pensar que é difícil, mas a parte mais difícil mesmo vem agora. Imaginem vocês que nós passamos por isso com sofrimento pois sim, é um momento em que podemos nos machucar fisicamente, mas também vemos nossos filhos sofrerem sem a possibilidade de tirar aquele sofrimento dele, mas piora muito quando vemos pessoas julgando, sendo preconceituosas e, de alguma forma, achando que são santos milagreiros que vão conseguir parar magicamente a crise de uma criança que elas nem conhecem interferindo com palavras duras e de julgamento.

Foram inúmeras as vezes que minha filha, quando mais nova e ainda não tinha um tratamento que dava certo, tinha crises em locais públicos se deitando no chão e chorando como se o mundo estivesse acabando e, quando estava tudo quase controlado, vinha uma pessoa sem noção e queria dar bronca nela ali, prolongando por mais uns quinze minutos a crise que estava para acabar.

Quantas foram as vezes que completos estranhos, incomodados, queriam que aquilo parasse imediatamente e saíram proferindo palavras duras, indiretas em voz alta, julgamentos maldosos sem sequer saber o que estava acontecendo ali, sem saber quem éramos nós.

Cheguei a uma vez, em um shopping muito famoso, ver funcionárias de uma loja saindo nos corredores para dar risada sem qualquer cerimônia da minha filha, chamando as outras colegas para verem como se fosse um freak show, enquanto o segurança estava perto de mim dizendo “Calma, mãe. Vai passar. Tenho um irmão assim. Vou ficar perto de vocês para ela não se machucar”. Sim, passamos por situações dessas diariamente e ninguém está nem aí com o respeito.

É doloroso ver em páginas que explicam sobre as crises dos autistas, sobre transtornos como o TOD (Transtorno Opositivo Desafiador), sobre como essas crises são semelhantes a meras birras mas que existe toda uma diferença neurológica, tem CID e tudo mais e nos comentários vemos a crueldade das pessoas falando que é falta de surra, que o tratamento na época era na base da cinta, gente falando até em tirar essas crianças de circulação dos locais públicos.

O comentário mais cruel que eu já vi foi de uma pessoa falando que crianças assim mereciam ser enjauladas “como os animais que são”. Que ninguém era obrigado a conviver com eles. Que eles não eram bem vindos na sociedade. É desumano a um nível assustador a ponto de ficar com medo de cada segundo que nossas crianças não estão junto a nós.

Mais um caso isolado de violência

Dias atrás ouvi de uma mãe que foi deixar o filho na escola e ele teve uma crise. Na mesma noite, no banho, ela viu a canela do menino roxa, inchada e perguntou o que tinha acontecido. Ele disse sem pestanejar que a coordenadora, quando ele ficou “bravo”, deu um chutão na canela e ele chorou muito. Uma adulta, com diploma e especialização em ensino especial, chutou uma criança que teve uma crise.

Quando ela foi procurar auxílio na delegacia, foi tratada com frieza e sem auxílio nenhum, chegando a dizer que era assim mesmo, que ele deve ter aprontado na escola. A mãe foi abandonada até pelas autoridades que deveriam defender o menino de acordo com o ECA e com o Estatuto da Pessoa com Deficiência. No fim só não estamos sozinhas porque estamos umas com as outras.

E aí eu falo, nós mães não tivemos treinamento para isso. Podemos até buscar conhecimento depois de ver com as situações se desenrolam, seja com troca de experiência com outras famílias, seja em vídeos do YouTube, seja em blogs que falam sobre o dia a dia de pessoas semelhantes, seja com especialistas, cursos, o que for.

Nós não tivemos a chance de sentar enfileiradas antes de ter nossos filhos com um professor falando: “Prestem atenção, é isso que vai acontecer, é assim que vocês vão lidar”. Até porque nem a maternidade neurotípica é receita de bolo, que dirá a neuroatípica. É preciso aprender diariamente com aquele ser humano que depende tanto de nós como lidar, o que fazer, como agir.

O que eu quero deixar aqui hoje com meu texto é um apelo. Se virem uma criança “fazendo birra”, deixem ela. Você não sabe se ela está em crise, você não sabe se pode piorar aquilo de forma que vai dificultar tudo para aquela mãe. Quer realmente ajudar? Fique por perto garantindo a segurança de ambos, mas sem julgamento. Segure a bolsa dela caso ela tenha largado no chão. Se não for para fazer isso, siga o seu caminho. Até porque, mesmo se for só uma birra, isso faz parte do processo de amadurecimento de uma criança. Adultos fazem suas birras diariamente e ninguém se mete. Não ache que você é um super herói e que aquela criança é a vilã tentando dominar o mundo. Tenha mais empatia. Você não sabe o que está acontecendo ali.

Temos que lembrar diariamente que as crianças são o futuro e se ficarmos reprimindo, julgando e condenando, que tipo de futuro este mundo vai ter?

A empatia é a cura para grande parte dos males da humanidade e é de graça.

Compartilhe esse artigo

Leitura relacionada

Últimos Artigos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *