Talvez, ao ler o título dessa carta, você, caro leitor, pense que essa mãe não ame seus filhos, afinal, esse é o primeiro julgamento que temos quando somos capazes de dizer que estamos exaustas, mas já quero derrubar essa hipótese ao dizer que, as mães que mais se cansam, são exatamente as que mais amam. Sim, isso mesmo que você ouviu. Vamos lá, vou contar a vocês um pouco da minha história enquanto ainda há tempo.
Atualmente sou casada e tenho 2 filhos vivos. Meu primeiro filho nasceu em 2010 e sempre foi a minha vida, eu sempre falo que deixei de existir no dia em que ele nasceu, porque, quando vi aquele rostinho tão lindo e tão perfeito, pra mim nada mais interessava. Então, eu comecei a viver pra ele, trabalhar pra ele, estudar para ter uma profissão para, assim, garantir o bem-estar dele, enfim, tudo o que eu fazia girava em torno dele, ele foi e ainda é o meu 1º grande amor.
Tivemos muitas dificuldades, éramos muito pobres, mudávamos constantemente, ganhávamos pouco, mas sempre fomos honestos e ensinávamos ao nosso filho. Mesmo nas dificuldades, eu sempre garantia que o JP fosse feliz. Então, quando ele tinha 3 anos de idade, as coisas já estavam melhores e eu fiquei grávida novamente, foi a minha primeira dor de perder um filho sem mesmo conhecer, na minha 1ª ultrassonografia o médico detectou que o bebê não tinha mais vida.
Foi muito triste, mas sobrevivemos e não desistimos, mudamos de cidade depois de um tempo e quando o JP estava com 7 anos de idade, lá estava eu grávida de novo, dessa vez durou muito, mas, no 6º mês de gestação eu perdi o meu João Miguel, e dessa vez, foi um processo muito difícil porque eu não senti nada e, quando o médico descobriu que ele estava morto dentro de mim, já fazia 15 dias. Então, não podia retirar, fazer cirurgia, precisava ser induzida a parto normal, mas, eu sou daquelas que não sente dores de parto, dessa forma, me aplicaram várias e várias injeções para induzir o parto por três dias e eu não sentia nada.
Até que me mandaram para um hospital de urgência onde iriam inserir uma espécie de medicamento no útero (esse medicamento só podia ser inserido lá, por ser proibido seu uso devido ser abortivo). Fui conduzida para lá e me colocaram na ala da maternidade, me desculpem a expressão, mas aquilo para o meu psicológico era o inferno, saber que tinha uma criança morta dentro de mim e que o meu corpo não queria liberar essa criança, e ser obrigada a ver grávidas saírem do quarto e voltarem com seus filhos nos braços a todo instantes, ouvir choros de bebês o tempo todo e saber que eu nunca ouviria o choro do meu. E a mim, só restava esperar a hora do próximo médico acompanhado por uma equipe de residentes para colocar aquele medicamento no meu útero.
Eles achavam que 1 ou 2 comprimidos resolveria, porém, tiveram que colocar 6 comprimidos no meu útero com intervalo de 12 horas, tive tempo pra ver muitas crianças nascerem, ouvir muitos risos de alegrias e muitos choros belíssimos daquelas pequenas novas vidas que surgiam. Já quase sem esperança, fui ao banheiro e o meu pequeno bebê desceu e ficou esgarranchado, gritei e pedi ajuda. Minha mãe e uma enfermeira vieram e me ajudaram a me deitar na maca.
Elas aplicavam injeção para estimular a dor e eu não sentia nada, a médica vinha e mandava eu fazer força, mas eu não conseguia fazer tal força. Fiquei 11 horas na maca, até que, em um momento, já desistindo da vida, eu olhei para o lado e vi a minha mãe tão cansada, então eu falei com Deus: “Senhor, eu estou pronta, seja feita a sua vontade, mas acaba com isso agora, por favor, eu não aguento mais ver a minha mãe assim”.
Nesse instante, eu senti a placenta saindo de dentro de mim sem nenhuma dor e a enfermeira gritou: “saiu, a placenta está perfeita!” Eu tive oportunidade de pegar meu filho no colo, de abraçar, de chorar, de beijar e de agradecer por ser meu filho e dizer que eu o amaria para sempre. Ele nunca deixou de ser meu filho, passamos juntos pelos piores momentos da minha vida e ele estava lá me dando força.
Bom, depois disso, minha família queria que eu fizesse laqueadura, mas eu não queria e era o sonho do João Pedro ter um irmão ou uma irmãzinha. Ele chegou a fazer uma campanha para Deus dar um irmão(ã) pra ele. Enfim, engravidei novamente, dessa vez com muito medo, eu tinha medo se acordasse e não sentisse nada, eu tinha medo se escovasse o dente e não sentisse enjoou do creme dental, se eu estivesse bem, eu tinha medo.
Até que, um dia, Deus falou comigo que não precisava ter medo porque dentro de mim estava uma menina e o nome dela seria Emanuele para provar que Ele era conosco. A partir daquele dia, não tive mais medo. Quando deu o tempo de fazer a ultra, fizemos e constatamos que realmente era uma menina e Deus sempre proveu tudo na vida dela. Mas, Betânia, por que você contou toda essa história?
É que toda essa história de maternidade, de luta, também veio junto com uma história acadêmica onde eu sempre estive estudando, trabalhando. Hoje eu estou concluindo o meu mestrado, e a minha vida se tornou extremamente cansativa, além de não suportar choro de criança desde a perda do meu bebê, moro longe da minha família.
Então lido com TUDO sozinha, até hoje minha filha não dorme sem mim, parece que não sou dona mais de mim. Às vezes, tudo que quero, depois de um dia longo de trabalho ou estudo, é deitar e descansar, mas eu não posso, outros dias, eu quero assistir um filme até mais tarde mais, eu não posso, eu quero sair pra aliviar o stress do dia, mas eu não posso, porque antes de ser EU, preciso lembrar que sou MÃE, e isso não quer dizer que eu me arrependa de ter sido mãe, pelo contrário, foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida, mas sabe, é como se eu quisesse reivindicar férias, descanso, momentos comigo mesmo, silêncio, dormir quando quiser e acordar quando quiser durante pelo menos uma semana, fazer as coisas que eu gosto, ir a lugares que eu gosto, voltar a ser eu pelo menos de vez em quando, e o fato de não poder ter nada disso me trancou em um quarto com uma depressão de onde não tenho vontade de sair. Estou em um mundo em que não vejo mais lugar pra mim nele, e não vejo como isso algum dia possa mudar. Eu sei que muita gente vai julgar mal, mas é exatamente isso o que eu sinto hoje.
Meu Nome é Betânia Gonçalves, professora, mestranda em Educação, sou esposa, sou mãe de 4 filhos, 2 anjinhos no céu e 2 crianças lindas aqui na terra: João Pedro (14 anos) e Emanuele (5 anos). @betania_87
Revisado por: Angélica Filha