Mulheres-mães protagonistas da própria história

Carta aberta aos homens pais e às mulheres mães que não são mais – ou nunca foram –  um casal

Carta aberta aos homens pais e às mulheres mães que não são mais – ou nunca foram –  um casal

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Caros homens pais; caras mulheres mães;

Inicialmente, de forma a prevenir o “ah, mas cada caso é um caso”, vou lembrá-los de algo importante: independente do que aconteceu com a relação do casal que trouxe a sua criança ao mundo, das condições em que vocês foram parar cada um de um lado; independente da forma como, individualmente, vocês conseguiram se comportar diante das situações que resultaram na separação e/ou surgiram dela; independente do que existiu ou do que restou de respeito: aqui a pauta não é o homem e a mulher que tiveram um filho. A pauta é o pai e a mãe que tiveram um filho, vocês entendem a diferença?

Não existe nada que possa ter acontecido entre duas pessoas adultas que justifique negligenciar a criação de um ser humano que nasceu sob a responsabilidade de vocês.

Em tempo, ainda: não sei se todos e todas nós temos clareza disso, mas o abandono paterno só existe porque vocês, homens, foram criados com a permissão para praticá-lo. Assim como o fato de que uma mãe que toma somente para si a responsabilidade por uma vida, acredita que está cumprindo seu dever.

Nós todos somos produto de uma cultura que determina, desde que somos muito pequenos, que “o filho é da mãe”. E se não é da mãe, é da mãe do pai, que costuma assumir o filho do filho com naturalidade. O abandono paterno se trata de um comportamento culturalmente aprendido por nós homens e mulheres; um comportamento que a nossa geração já reconhece e está, inclusive, atrasada na criação de estratégias para destruí-lo.

Agora que já fiz os esclarecimentos iniciais, penso que é preciso que fique muito claro: vocês precisam um do outro! Precisam que, antes de fazer qualquer escolha ou de tomar qualquer atitude, os dois pensem no desdobramento que essa escolha terá na vida da criança que compartilham. E, sim! Isso é muito complexo, podem acreditar.

Pensar em alguém antes de pensar em si mesmo é a maior expressão de amor que há e não existe, ou não deveria existir, amor mais genuíno do que aquele que temos por um filho, uma criatura que geramos do nosso próprio corpo (dos nossos dois corpos, correto?)

E o que fazemos para que o abandono, que normalmente se apresenta com o fim de um relacionamento entre pai e mãe, não aconteça? Como seria isso em termos práticos?

  1. conversem; não sobre vocês ou sobre o que passou. Conversem sobre o filho de vocês. Afinem as suas concepções acerca dos temas e dos valores que consideram importantes e que vão guiar as decisões sobre tudo o que envolve o filho que compartilham;
  2. organizem as demandas da criança de forma equilibrada, para que nenhuma das duas partes fique sobrecarregada e para que o filho de vocês possa construir referência de cuidado com qualquer um dos dois. E cito aqui todo tipo de demanda que precisa ser organizada, desde os cuidados básicos de saúde e bem estar até a organização financeira. Me refiro também à necessidade de tempo; atenção; escuta; educação; enfim, tudo que uma criança precisa para desenvolver-se em condições adequadas. No item da organização das demandas, permanece, ainda, a necessidade da conversa.

Contudo, aqui, a conversa não é mais teórica, do tipo “o que pensamos que devemos fazer?”. A conversa, aqui, é prática: como vamos fazer? Conseguimos cumprir alguma tarefa juntos? Vamos dividir por dias ou por evento as nossas responsabilidades? De que estrutura cada um de nós precisa? Como será nossa comunicação? Conseguimos suportar um ao outro por quanto tempo? É possível pensar em momentos em que estaremos, os dois, com nossa criança?

  1. sejam lar para o filho de vocês. E quando eu me refiro a ser lar é no sentido amplo, aquele que está muito além de definir que a criança vai morar com A ou B. É ser lar no sentido de possibilitar que a criança veja no pai e na mãe acolhida, afeto, autoridade, confiança, cuidado e cumplicidade. Um processo que pode começar ainda na gravidez. Talvez vocês pensem que para as mães é mais fácil acontecer o envolvimento, porque, afinal, somos fisicamente envolvidas em tudo, desde sempre. No entanto, é possível que a paternidade nasça também, desde o início da gestação e já existem grupos de homens estudando e disseminando isso. Procurem.

Enfim, pais e mães. Imagino que não seja simples para vocês enxergarem isso tudo acontecendo de forma concreta; não foi para mim. Necessita maturidade e inteligência emocional para colocar os compromissos da maternidade e da paternidade num patamar superior às questões que envolvem nossos desentendimentos, mágoas e diferenças como adultos.

E mais maturidade e inteligência emocional ainda é se quebrar para que isso não seja feito só no plano da teoria, ou seja, de fato organizar a vida de ex-casal de forma que seja possível atender as necessidades práticas que vem da criação do filho que foi feito, e muitas vezes sonhado, em conjunto, mas que será criado por pessoas separadas.

Alerto que nem sempre – ou quase nunca – vamos conseguir toda essa maturidade de primeira. Vai ser preciso respirar, reorganizar a cabeça e retomar as prioridades muitas e muitas vezes, afinal, nós somos gente, temos sentimentos e eles não são só sentimentos nobres. Contudo, o que nossa cria precisa, é que exista disposição e perseverança de todas as partes.

Para terminar, sei que não falo agora de todo mundo porque, aqui sim, cada caso é um caso. Muitas e muitas vezes eu me perguntei: de onde vem tanta resiliência, tanto desejo de fazer melhor? Por que eu sempre procurei ajuda profissional para ter equilíbrio e maturidade diante das situações que envolvem criar um filho com uma pessoa com quem tive/tenho diferenças? Por qual motivo tentei e tento ainda hoje?

A reposta é, para além do amor incondicional que sinto pelo meu menino: a esperança que ainda tenho de que nós consigamos, pela reflexão e pela experiência de sentir o amor transformador de um filho, ser mais do que produtos de uma cultura.

Ass: alguém que já esteve – e está – no seu lugar.


Autora: Aliana – Instagram: @escrevendopedros.


Texto revisado por Luiza Gandini.

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