Nunca consegui amamentar em público. Não porque faltasse vontade — afinal, eu queria que fosse natural, como sempre imaginei que seria — mas porque cada olhar parecia carregar uma sentença silenciosa. Tive minha filha em Portugal, um país onde a amamentação é valorizada e incentivada. Ainda assim, dentro de mim, havia um nó: a tensão entre o que a cultura acolhia e o que eu sentia.
Percebi que amamentar não é apenas alimentar; é também negociar com o mundo à nossa volta. O corpo, de repente, deixa de ser só meu. Torna-se palco de olhares, expectativas e julgamentos. Enquanto as normas culturais me diziam “está tudo bem”, minha mente me lembrava que eu não estava em casa, não tinha minha rede, e que cada gesto meu parecia maior do que era.
Há algo de profundamente solitário em ser mãe fora do seu país. As conversas sobre sono, leite e cólicas, que talvez fossem leves se divididas com amigas de infância ou irmãs, ganham um peso diferente quando tudo acontece em outro idioma, com outras referências, e longe de quem nos conhece de verdade.
Amamentar, então, virou para mim mais do que nutrir: virou também sustentar o silêncio do que eu não dizia. O medo de estar fazendo errado. A vontade de ser aceita naquele novo território. A culpa por não me sentir totalmente livre.
Hoje, olhando para trás, percebo que a amamentação foi também um espelho: refletiu minha própria adaptação, minhas vulnerabilidades e a necessidade de criar raízes onde eu estava. Talvez o leite tenha sido alimento também para mim, me lembrando que, mesmo tensa, eu estava presente.
E entendi que, por trás de cada mãe que amamenta longe de casa, há muito mais do que uma história sobre leite. Há um corpo que negocia com culturas, um coração que busca pertencimento e uma força silenciosa que insiste em continuar.
Por Jessica Gabrielzyk – @jessicagabrielzyk





