A pior noite da que era a mais feliz

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Era só mais uma noite, mas não era uma noite qualquer. Depois de anos difíceis, gestações difíceis, relacionamento difícil, vida financeira difícil, separação difícil. A mãe parece ter encontrado um colo. E não era um colo qualquer. Um homem. Um amigo do trabalho. Um crush de juventude, uma nuvem de ilusão?! Alguém parecia querer ser algo mais. Se de fato seria ou não?! Quem poderia saber… Ela estava disposta a encarar a dúvida. Ele estava disposto a encarar o contexto? Eles dançavam no escuro, encontrando conforto no abraço um do outro.
Buscou amparo também no seu lugar seguro. E como bicho acuado voltou para o ninho. Sonhou uma vida bucólica cercada de verde e das águas mais cristalinas do mundo. Olhou para uma cabana e achou que ela seria o lar perfeito para os seus filhos. Tinha terra, espaço, boa vizinhança. Ela dançou sozinha e sorriu. Finalmente voltei a sonhar, pensou, suspirando para as estrelas.
Saiu, ainda inebriada pela graça do encontro com a vida, com o futuro e com a possibilidade, e em êxtase, ouviu gritos, que eles pensaram ser de outra criança. Mas logo a voz mostrou sua tessitura e do outro lado do caminho, do outro lado do rio, seus filhos gritavam seu nome.
Chamavam polícia! Pediam socorro! E ela correu.
Chegou e entre os choros desesperados das crianças, viu a face de um homem raivoso. Depois de dias, meses convivendo com a face de um homem raivoso que a todo tempo lhe ameaçava e oprimia, novamente estava ela ali, naquela mesma situação.
Seu coração batia acelerado, mas a face agora era outra.
Não daquele que se apresentava como promessa e que naquele momento sentia a angústia máxima da impotência. Mas sim daquele que lhe dera a vida e que também fora o primeiro de todos a lhe trair e magoar.
Confuso, atordoado, ele gritava, grunhia, chorava e ofendia. Ele se sentia traído. Traído pela traição que fizera para com seu ex-marido. O mesmo com quem o próprio já brigara e por quem também já tinha se ofendido.
Foi fácil tecer a conexão, feito epifania.
Já à beira dos quarenta, mãe de dois, professora cansada, estressada e cheia de dívidas, ao término de um divórcio terrivelmente difícil, ela se viu diante de um homem que usara seus filhos para lhe atingir.
Com uma correia de couro, ele os agredira.
E não era um homem qualquer, era seu pai. Avô dos seus filhos. Embora o surto tenha partido de uma brincadeira de criança que resultou em pirraça e malcriação, sua boca só proferia palavras ofensivas para com a mãe.
Afirmações como: “Você não é mãe! Uma mãe não tem tempo pra macho! Uma mãe não abandona seus filhos! Uma mãe não faz questão de macho! Arrumou, agora se vira!” Eram muitas vezes repetidas. E por fim: “se for para ficar com seus filhos assim, deixe a guarda com o pai”
O pai, nessa noite de sábado, ninguém sabia sequer o paradeiro.
Também a ninguém interessava saber.
Ele é homem e está tudo certo.
Acaba-se o sonho.
Acabam-se as nuvens e as borboletas no estômago.
Cada um retira o que é seu.
Recua, retrai.
E a mãe segue com seus filhos, em par apenas com a dupla solidão e desesperança.

Por Gabriela Dezidéria – @sagradocotidiano

Revisão: Stefânia Acioli

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