Mulheres-mães protagonistas da própria história

A Liquidez Pós-Moderna e sua incapacidade de alcançar a maternidade

A Liquidez Pós-Moderna e sua incapacidade de alcançar a maternidade

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AModernidade líquida não irá atingir tão cedo a #maternidade. Essa frase parece fatalista. Por mais que a maternidade sofra mudanças temporais, assim como a forma de maternar, o projeto moderno de maternidade parece bem fixo dentro de nossa ideia do que seria a maternidade. Uma pessoa só responsável por uma criança e toda sua educação. Não existe mais família extensa e agora as casas possuem quartos que separam pais e filhos.

Por mais que nossos amores sejam líquidos, a maternidade se mantém dentro do projeto moderno. É uma estrutura que não muda por si só. Boas mães não podem ser líquidas. Não podem ser tão desapegadas de seus filhos. Por que maternidade não permeia apenas laços de amor. Pouco tem a ver com amor maternidade.

Projeto moderno

A família nuclear e as paredes vísiveis e invisiveis que nos separam da comunidade

No Brasil colônia, não existiam paredes dentro das casas. As pessoas dormiam em redes e era possível ver-se o que cada um fazia um dos cômodos. Na Europa da Revolução industrial, famílias diferentes dividiam o mesmo espaço para dormir.

Durante a modernidade, começaram a surgir as paredes que separavam as famílias umas das outras e entre si. Foucault em um de seus livros comenta sobre isso, afirmando que inicialmente, não haviam problemas nos pais dividirem a cama com seus filhos, porém, com o passar do tempo, a igreja frisou a ideia do pecado de incesto e que dormir com os filhos poderia causar isso.

A noção de infância é recente. Piaget, Vigotski, que estudaram o desenvolvimento da infância como conhecemos, são autores do século XX. Tanto que a luta contra a exploração infantil é uma luta recente. Até meados do século XX era comum que crianças trabalhassem aos 4, 5 anos em fábricas (minha avó por exemplo começou a trabalhar aos oito anos de idade).

Porém, existem correntes maternas que vão contra todas as ideias de liquidez nos afetos. Uma ideia da criação com apego, onde os responsáveis pela criança a criam com… apego. #Sling, cama compartilhada, #aleitamento materno prolongado, passar o máximo de tempo possível com a criança e não terceirizar sua educação… são algumas das propostas que englobam a criação com apego.

Também existe o fato de que mães não podem simplesmente abandonar seus filhos quando a relação se tornar tóxica para elas, como é apregoado pelos modernos. E há sim toxicidade nas questões maternas. Que muitas vezes envolvem deixar de lado o próprio bem-estar mental em prol dos filhos. Tudo para manter uma ideia romantizada de mãe e da maternidade.

Ser mãe envolve responsabilidade e por outra pessoa mais frágil, necessitada do adulto, em primeiro lugar, quando ninguém mais na sociedade irá fazê-lo.

Wendy Goldman fala da maternidade em Mulher, Estado e Revolução. A primeira solução utópica revolucionária seria a de terceirizar a tudo e assim acabar com a família. Grandes lavanderias, cafeterias, creches, casas para crianças onde pessoas pagas exerceriam esse tipo de trabalho. Os laços entre todos seriam então líquidos. Os adultos seriam livres para amar e assim a família acabaria. É impressionante essa visão. A de um mundo sem família, pois a família aprisionaria a mulher também, assim como o homem. A família e as obrigações domésticas impossibilitavam a libertação da mulher. Então, a decisão lógica na época não foi a de ambos os pais dividirem o fardo da criação dos filhos. A solução lógica era acabar com a família e deixar crianças vivendo em instituições. A longo prazo essa solução não se concretizou de forma total.

 
Escorregamos na liquidez de tudo, mas continuamos modernas e nos afogamos em nossa maternidade

A maternidade é concreto pesado, que nos envolve e solidifica, nos afunda e pressiona, como uma boa estrutura moderna

E afirmar isso não é sinal de falta de amor pelos filhos

Existem uma série de teorias sobre maternidade. O que deve ser feito, como deve ser feito. Todas elas envolvem sacrifício, envolvem nãos de si para si. Envolvem negação da identidade.

É normal exigir das mães o apagamento do eu. A mãe perfeita vive para os filhos. E é necessário saber quando barrar dentro de si esse discurso. Porque pessoas sem identidade própria terminam doentes. Anular a si mesmo não faz bem. (Não acredito que quase 60 anos depois de Betty Friedan e seu Mística Feminina seja necessário dizer isso, não há como descrever minha frustração com isso!) Mulheres terminam doentes por abandonar sua identidade em prol da maternidade. Tentando atingir uma perfeição impossível para não danificar os filhos. Isso é louvável, mas é doente. É uma perspectiva que deixa doentes as mulheres envolvidas.

Stuart Hall fala de nações que ficam doentes por conta da perda da identidade diante de um mundo globalizado que engole culturas e as cospe como restos para consumo. Xenofobia, nacionalismos exarcerbados, ódio, guerras, contorções a níveis globais surgem disso. No entanto, a um nível micro, cobramos que mulheres desistam de quem são por seus filhos. Quando na verdade deveríamos apenas dizer:

Sigam as recomendações da OMS, cuidem marcos de desenvolvimento, façam o que podem, mas acima de tudo: procurem informação sempre! A culpa ganha das mães tendo base em sua ignorância!

Busque sempre informações sobre amamentação, parto, modelos de criação, marcos de desenvolvimento, vacinação. Leia! Por mais que seus filhos lhe engulam, use o smartphone e busque informações de qualidade e não lide com absolutos. Saiba sempre dosar o que vai lhe caber ou não.

Seja a melhor mãe possível dentro do seu limite de sanidade! Mães mentalmente doentes além de trabalhar na hora extra são um risco para si mesmas e para seus filhos. Nós somos o exemplo.

Não deixe de ser quem és por que achas que isso é o melhor para seu filho. Tenha um nível de egoísmo. Porque: eles vão crescer, vão se desvencilhar das mães. Filhos não ficarão com as mães. Eles irão evoluir além das mesmas. E muitos não sentirão dó na hora de abandonar suas mães para nunca mais voltarem. Não baseie sua existência ao redor dessas pessoas. Seja a força motriz que eles precisam que sejas. Seja o suporte de afeto, responsabilidade e amor. Seja uma estrutura moderna. Não há mal nisso. Mas não esqueça que filhos vivem em um mundo líquido, onde agora há todo um discurso que laços que não são bons para eles devem ser cortados. Essa conta inclui laços familiares. Não se esqueça de viver enquanto eles crescem.

Sim, eles são responsabilidade das mães. Até em termos legais. Mas nunca se perca dentro da toca do coelho da maternidade ao ponto de que se a lagarta perguntar: “Quem é você?” , balbucies como Alice sem saber uma resposta para além de: eu sou a mãe. Saiba dizer quem é o indivíduo para além disso.

Somos muito, mas muito além de mães. Somos parte de um mundo líquido, forçadas a sermos estruturas modernas concretas. Nosso desafio maior é saber equilibrar essas duas existências ao ponto que não nos afoguemos no mar da maternidade.

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