Mulheres-mães protagonistas da própria história

A despersonalização no puerpério

A despersonalização no puerpério

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Ontem resolvi voltar à terapia, uma consulta de manutenção (costumo dizer) após uma séria crise de ansiedade, numa noite qualquer, quando meu bebê dormia tranquilo e eu chorava compulsivamente no colo do marido. A psicóloga disse essa palavrinha mágica que resumiu tudo o que eu sinto desde o parto: despersonalização. Afinal, quem sou eu agora? 

A resposta mais óbvia e natural, acompanhada de um tom de espanto e repreensão de todos à minha volta: ora, agora você é mãe! Sim, eu sou mãe do João, mas cadê a Talita? Onde ficou? 

Ninguém me contou que no puerpério você não se acha mais, não se encontra, mas por quê? Por que esse sentimento de vazio, de não se reconhecer mais quando se olha no espelho? Essa sensação de “o que estou fazendo da minha vida”?

Não encontro a Talita porque minha vida (pré-parto) foi pausada, todas as outras funções que eu exercia, todas os demais papéis estão pausados para que eu seja mãe! E como é solo esse papel. 

Talita trabalhava fora e estudava (em média doze horas por dia). Talita gostava de andar e correr ao ar livre, de viajar, de comer com as amigas, de tomar vinho, de ler, de aprender coisas novas, de fazer luzes no cabelo e fazer as unhas, de usar lingerie sexy com o marido, de jogar conversa fora, entre tantas outras coisas. Talita não parava um minuto.

Talita agora é mãe! Talita dá de mamar a cada duas horas (em média), faz o bebê dormir, faz o bebê arrotar, troca a fralda, dá banho, estimula o bebê, dá remédio, acalma o choro, faz dormir de novo, aprende sobre vacinas, aprende sobre estímulos, tenta botar em ordem a casa, tenta ler dicas de pediatras na internet, corre fazer sua higiene pessoal sem fazer nenhum barulho para não acordar o bebê, passa pomada para cicatrizar os pontos da cesárea, passa um batom e põe um brinco para lembrar que é vaidosa, e assim passou mais um dia. Talita não pára um minuto.

Por mais que o pai participe e faça a parte dele, por mais que as pessoas queridas enviem mensagens de carinho, no raiar do dia ou na madrugada, é você ali, é você que tem que dar conta. Por quê? Porque o bebê quer colo da mãe, quer peito da mãe, quer cheiro da mãe. 

Pode o pai acordar para dar mamadeira com seu leite congelado ou fórmula, mas se o bebê não dorme, se chora sentido buscando o cheirinho materno, é a mãe que assume a direção, porque é sofrido ficar sem dormir, mas é mais sofrido ouvir o filho chorando sem você para o acalmar. 

Como diz meu pai: o filho é da mãe! 

Como essa frase tem peso! Não se confunda, ele não quer dizer que só eu tenho que cuidar, longe disso, ele quer dizer que o bebê precisa da mãe. 

E assim eu percebo que tenho esse novo papel, o mais importante a desempenhar: criar meu bebê.

Mas por que sofro? Porque dói. Dói ficar horas sozinha amamentando sem conversar com ninguém, fazer refeições sozinha, na hora que der, enquanto alguém segura o bebê (ou ele dorme); dói não conseguir tomar o banho sem pensar em nada, mas ouvindo o choro imaginário do bebê com cólica; dói a crise de choro que vem do nada, com uma onda de hormônios puerperais, dói a descida do leite, o sangramento que não para, a privação de sono. Simplesmente dói.

Também dói “não voltar ao normal”, não fazer nada do que representava sua personalidade, não se sentir como antes. Eis a despersonalização!

Apesar dos pesares, percebo que essa nova função é exclusiva, exige exclusividade, meu bebê precisa de mim! E eu optei por viver isso, embora não soubesse de tudo isso porque as mulheres simplesmente não conversam sobre tanto, talvez por culpa, talvez por medo de serem julgadas, talvez por tanta coisa. Parece que há um pacto social silencioso de não reclamar sobre as dificuldades da maternidade, de não avisar que o pós-parto é muito difícil e que você vai precisar de ajuda. Fala-se em ter uma rede de apoio, mas ninguém esclarece o porquê você vai precisar de “apoio”, onde vai precisar de apoio, como será esse apoio.

E assim, após 70 dias parida, consigo começar a reorganizar meus sentimentos, e percebo: não é que eu tenha perdido a Talita de antes, ela não morreu, não sumiu, só está pausada, para que logo, quando meu bebê se entender por gente, começar a se sentir seguro, aos poucos, eu retome os demais papéis, e talvez até novos papéis venham a surgir com a nova percepção de importância das coisas.

Enfim, passo adentro na maternidade.


Autora: Rosana Talita Precoma, funcionária pública, formada em Direito e Ciências Sociais. Instagram @taprecoma

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