Olá, para quem chegou agora, recomendo que leia os textos anteriores, já que esse é o último de uma sequência de quatro textos, e para compreendermos o cenário do Nascer no Brasil hoje, precisamos lembrar de como foi até chegar aqui. Afinal, tudo tem uma história.
Com a modernidade em ascensão, o nascimento de um bebê foi se tornando um ato institucional, médico, controlado e padronizado. Esse processo foi intensificado pelas tecnologias disponíveis no mercado, que aumentaram muito nas últimas décadas e inicialmente contribuíram para diminuir a taxa de morte materno-infantil.
Quando escutamos as narrativas das nossas mães (mães nos anos 70, 80 e 90) sobre a experiência do parto normal (vaginal), ouvimos histórias comuns, dependendo da região do Brasil. Ao ouvi-las, percebemos que essas histórias podem retratar algum sofrimento e até mesmo um sentimento de pavor, já que as intervenções médicas, os procedimentos e o cuidado que elas receberam, causaram dores intensas e impactaram negativamente em sua saúde física e/ou mental e muitas vezes das suas filhas e filhos.
Geralmente, a sequência é a seguinte: Lavagem intestinal (enema); raspagem dos pelos pubianos (tricotomia); bolsa das águas rompida artificialmente; o “sorinho” (ocitocina sintética); muita dor; palavras de desencorajamento; posição ginecológica com as pernas amarradas; o “piquezinho” (episiotomia), algumas relatam o uso do fórceps (que durante anos foi um padrão, principalmente em primíparas); a “força de cocô” (puxo dirigido); o “ponto do marido”; bebê no berçário que foi entregue de banho tomado horas depois. Quando falamos em procedimentos padrões, está aí, muito bem ilustrado pelas “protagonistas”, ou melhor dizendo, as vítimas dessa história.
Estamos falando sobre um modelo de assistência ao parto vaginal que se tornou quase que único, e nós mulheres não tínhamos (e na maioria das vezes ainda não temos) escolha, a não ser nos submeter a ele. Ou seja, a medicina moderna transformou um processo fisiológico, único e especial, que leva um tempo (determinado pelo corpo da mulher e do bebê e pela orquestra hormonal que ambos vivem em sincronicidade), em uma vivência patológica e fria, podendo ser violenta e causar sofrimento para a mãe e muitas vezes para o bebê que recém chegou ao mundo.
O que esperar de uma sociedade que recebe os bebês dessa forma?!
Nesse cenário da medicina moderna ocidental, as parteiras, as obstetrizes e/ou enfermeiras obstétricas muitas vezes são doutrinadas, o que faz com que a atitude de algumas dessas mulheres para com as outras, siga nessa engrenagem patriarcal. Assim, fomos e ainda somos submetidas a normas, contratos, situações e intervenções desnecessárias, sem poder sequer ser informadas ou questionar qualquer ato institucional/médico, nos tornamos, então, vulneráveis a Violência Obstétrica.
Assim, a cesariana chegou com toda a tecnologia atual oferecendo muitas vezes o “alívio” que muitas mulheres desejam e não vivenciam no parto vaginal. Porém, o Brasil, há alguns anos, sustenta a sua presença entre os líderes no ranking dos países com as maiores taxas de cesariana do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). As mulheres brasileiras e as que aqui vivem, estão, portanto, sujeitas a serem vítimas de violência obstétrica e de uma epidemia de cesarianas.
Somos considerados um doa países mais cesaristas do mundo, com a taxa quatro vezes maior de nascimentos via cirúrgica do que o recomendado pela OMS para gestações de baixo risco – entre 10% e 15%. Esse cenário é considerado alarmante, já que os estudos que embasam essa recomendação, apontam que uma taxa maior que 15% não representa redução na mortalidade materna e tampouco melhores desfechos de saúde do binômio mãe-bebê. O risco de complicações intrínseco ao excesso de intervenções e a epidemia de cesarianas, contribui, portanto, para o aumento das taxas de mortalidade materna e infantil.
O Brasil precisa reduzir o índice de morte materno-infantil (ODS) e um dos fatores que precisa ser combatido e vem causando o aumento desse número, é o excesso e medicalização na assistência ao parto.
“o parto normal não deve ser medicalizado, e seu acompanhamento deve se dar com o mínimo de intervenções necessárias”.
Organização Mundial de Saúde
Destacamos que uma a cada quatro mulheres são desrespeitadas e submetidas a situações humilhantes nas maternidades brasileiras, sobretudo aquelas vulneradas socialmente, ou seja, parir no Brasil está longe de ser seguro.