Em uma sociedade que se sustenta em cima de representações idealizadas e romantizadas, e que para isso cria um dia para exaltar estes estereótipos, gritamos sobre nossas lutas diárias; sim, neste mesmo dia, o dia da mãe! Em gritos roucos de cansaço e desanimo me encorajo num quase apelo sussurrado, a encorajar e a pedir às mulheres que falem sobre nós!
O engano, talvez inocente e inconsciente, dos que “comemoram” esta data está baseada no conceito fechado, limitado, preconceituoso e idealizado da nossa figura de mãe! “Comemorar” o dia das mães é fortalecer o carimbo do amor abnegável e dedicação exclusiva, que anula qualquer outra faceta da mulher, que não “a mãe”; que põe em xeque sua individualidade e que tem por objetivo a generalização. “Comemorar” o dia da mãe é misturar numa solução indissolúvel a mulher e a mãe; é valorizar a sortuda que procriou e desqualificar a mulher que por opção ou restrição não gerou uma vida humana.
Uma bobagem, alguns diriam, uma mera troca de palavras para problematizar um assunto que não tem motivo de ser!
Uma mera troca de palavras, sim! Palavra esta carregada de cobrança social, palavra carregada historicamente de violência e preconceito. Trocar a palavra é trocar o discurso, é dar credibilidade a um grupo de pessoas que não se reconhece naquilo que está construído. É abrir reflexões e aceitar que a maternidade não é um assunto que se refere somente as mulheres que pariram e que estão felizes, ou não, em casa com seus filhos.
Falar em maternidade é entender as irmãs que passam pela experiência do aborto, é lembrar e deixar que as mães que perderam seus bebes falem sobre suas dores e que sejam recebidas com respeito e empatia; é colocar em discussão o direito da mulher de não ser mãe, é tentar compreender as mulheres que se intitulam mães de não-humanos.
Trocar a palavra “dia da mãe” por “dia da maternidade”, é tirar a ideia imaculada da mãe que sofreu violência obstétrica como sendo uma guerreira, é abolir a ideia da mãe que passa fome para alimentar os filhos como um exemplo a ser seguido; é repensar as condições que as mulheres parem nos hospitais brasileiros; é repensar e destruir o patriarcado que rouba nosso protagonismo em todos os momentos da nossa vida e que no “nosso” momento nos condiciona a figura de violentada. Pensar na maternidade é acolher a mãe que sofre pelos conflitos internos, é acolher a mãe que foi diagnosticada com depressão pós-parto e principalmente, é não patologizar, simplesmente, a mãe que não se enquadra nesse padrão absurdo de constância e amor infinito.
Pensar na maternidade é ver na história o papel coadjuvante da mulher e o quanto fomos privadas do autoconhecimento.
Pensar na maternidade é discutir sobre as mulheres negras e periféricas, que mais sofrem violência obstétrica aqui no Brasil; é entender o que é uma episiotomia e o efeito social e psíquico que uma tortura como esta exerce na mulher. É entender o mercado que esta data gira e fortalece nesse sistema capitalista!
Mas então isso quer dizer que não devemos, simplesmente, presentear nossas mães?
Não! Isso tudo quer dizer, que a mulher que te gerou tem uma história, e sinto muitíssimo em dizer, que ela é muito cruel! Quer dizer que o maior presente é o reconhecimento baseado na realidade, e não a rosa e o chocolate baseado na ilusão romântica da maternidade.
Mas isso quer dizer que nada mais vale a pena e que nenhuma mulher deve optar pela maternidade?
Não! Isso quer dizer que a história é injusta conosco, e que precisa ser denunciada para que tenhamos acesso a meios que nos libertem e que valorizem nossa individualidade. Isso tudo quer dizer que o estado apoia a submissão da mãe quando não oferta vagas suficientes nas escolas, quando finge não ver que as empresas não contratam mães, por serem mães; que está de mãos dadas com a ideia de que a mulher deve receber menos pelo “castigo” da maternidade; quer dizer que é ridiculamente absurdo o tempo de licença-maternidade, e mais ridículo ainda é essa lei machista que não entende o pai como ser que tem as mesmas obrigações da mãe, quando apresenta uma mudança, um “avanço” na lei de licença-paternidade de 5 dias para 20 dias. Tudo isso acima, quer dizer que ter filho ou não, não é só questão de escolha, num país em que falar de aborto é heresia, e que entende que ter uma vagina é um castigo e que estupro e pedofilia é relação sexual.
Termino quase sem voz e com lágrimas de sobra, intencionando que possamos relembrar com amor e indignação das nossas ancestrais, que possamos abraçar esse assunto e tratá-lo com respeito e estudo para que possamos avançar nas nossas conquistas!
Que a maternidade seja entendida como direito e não obrigação!
Que o “dia da maternidade” seja só um símbolo social para que nossas angústias e reivindicações sejam vistas com mais credibilidade!
Estendo meu abraço apertado a todas e desejo um bom dia reflexivo nesse “dia da maternidade”!!!
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AUTORA:
Indianara Porangá