Minha morte

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Por Cristina Veríssimo – Psicóloga Clínica – Psicanalista – @crisverissimo

Eu morri. E continuo vivendo.
Enterrei Tarsila, minha filha, junto ao meu desejo de viver. Fundei ali a impossibilidade, a impotência, a inapetência.
Apesar disso – ou por isso? -, reinventei a vida. Reinventamos: meu companheiro e eu. Encostávamos nossas faces na tentativa de recarregarmos. Era como se o afeto trouxesse alguma vida, e era onde a gente tentava se agarrar.
O seio insistia em vazar leite. O seio que deveria alimentar minha filha foi fortemente enfaixado diversas vezes pelo companheiro emocionado que tentava sobreviver ao ato.
As manhãs eram amargas. Traziam a devastação de um novo dia a lembrar que eu havia morrido e, ainda assim, teria que viver.
As palavras que cortavam devagar: “vocês são novos, logo terão outro.”
Tivemos outro. Nove meses depois de Tarsila nascer e morrer, fiquei grávida do meu menino Antônio. E não era um ser mágico que apagava a morte. Ainda bem!
Era um ser – vivo. Vivo que permanece a sorrir, descobrir, reinventar as possibilidades.
A desbravar um universo que me torna viva a cada instante, mas não para escapar da morte que vivo e sinto, e sim para viver outra vida e história. Porque apesar de ter morrido, tenho vida. Muita vida.
Ser mãe é sustentar o impossível.
É reinventar diversas possibilidades de existência.
É ter traquejo para negociar com a vida – e com aquilo que se faz dela.
Do abismo, permiti atravessar o impossível com a força dessa experiência.
Hoje eu escrevo a morte. Escrevo também o amor impressionante pela minha filha. Escrevo o que retirei do horror da perda: alguma fagulha de luz que possibilita encarar a vida novamente.
Vesti um tanto de coragem para atravessar os fracos limites entre vida e morte e, a partir do que fundei ali, reinvento constantemente um novo campo onde posso me mover pelo inesperado.

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