Eu queria um tempo, no silêncio, só para mim.
Queria dormir oito horas seguidas, sem acordar umas três vezes, sem estar com os braços dormentes, o bico do peito para fora e cheio de frio, devido ao ar gelado do ar condicionado.
Eu queria comer, estudar, trabalhar, ler, arrumar, no meu tempo, do meu jeito.
Queria não gritar o tempo todo, nem me estressar, nem ter que lidar com as incompetências alheias.
Queria não ter pressa, não estar sempre cansada.
Queria que a internet não oscilasse tanto, atendendo as minhas demandas diárias e sem horários.
Queria tomar um banho lento, silencioso, ou talvez com o som da voz da palestrante, ou da cantora selecionada na playlist.
Queria esfoliar as peles do rosto e do corpo, lavar e hidratar os cabelos, depilar o sovaco, curtir o vapor do banho quente, sem intromissão, gritaria, a porta do banheiro sendo esmurrada.
Queria um tempo para me masturbar, ter contato com o meu corpo e com a minha privacidade, sem o desconforto de ser interrompida ou flagrada.
Queria me vestir um pouco melhor, só para mim e jogar fora todas essas roupas já esgarçadas, com alças caindo, rasgadas, de tanto amamentar.
Queria sair para dançar, ou dançar músicas inteiras enquanto assisto a uma live, vestindo pijamas, na sala de estar.
Eu só queria jogar uma hora o jogo do videogame, ou assistir a partida de futebol do meu time, tomando uma cerveja, petiscando, sem ter que levantar o tempo todo, ter alguém se tacando sobre mim, batendo no controle, me empurrando, puxando o meu cabelo, ou o bico do meu peito.
Eu queria não sentir culpa. Ignorar por natureza, não ouvir, não me abalar, não me estressar.
EU QUERIA NÃO FICAR 24H preocupada com a comida, com a roupa, com o banho, com o sono, com as brincadeiras perigosas, com a sujeira, com as tomadas e cortinas sendo puxadas, a umidade da parede sendo cutucada, sujando o chão, em escorregar por pisar em um brinquedo espalhado, que já havia guardado outras três vezes na última hora, em cortar as unhas que machucam a todos.
Eu queria não ser responsável em saber o que falta na geladeira e na dispensa. Monitorar se a fralda descartável acabou, se tem fralda de pano limpa para ser utilizada, se o lenço umedecido supre a necessidade até o final da semana, quanto tempo as latas de leite, que estão no armário, vão durar. Ou se vai dar tempo de lavar todas as roupas e colocar ao sol para secar, antes da chuva desabar.
Não queria ser a responsável por estender e recolher as roupas, levar o varal para o local do sol, guardá-lo em um local a prova de vento e chuva.
Eu queria não ser a responsável por recolher o lixo e lembrar qual é o dia do Lixeiro, ou se o portão tem que ficar destrancado para a moça da faxina entrar.
Queria não ser responsável por repôr o papel higiênico, o shampoo que acabou, ou sinalizar que o sabonete do neném está no fim e que a pasta de dente só dura mais uma escovada.
Eu queria não ter que implorar, gritar, chorar ou ameaçar os vizinhos para eles cortarem a grama do próprio quintal.
Parece que eu quero muito, quando na verdade é só quero liberdade. Liberdade para existir sem tantas preocupações. Sem a sobrecarga emocional e física.
Queria ter um tempo para mim, de verdade. Não só para cortar e lixar as minhas unhas das mãos e os pés, depilar as pernas ou lavar os cabelos, mas para cuidar da minha mente, do meu corpo, dos meus desejos, anseios, sonhos.
Eu só queria tudo isso, ou uma dessas coisas por dia. Talvez só umas seis horas para mim. Sem ele. Sem bebê. Sem cachorro para limpar coco, providenciar tosa e alimentar.
Eu só queria cagar em paz, jogando no celular, assistindo um vídeo ou lendo. Sozinha. No silêncio. Em paz.
Como eu queria cagar as fezes do meu intestino preguiçoso EM PAZ.
Como eu queria cagar para o mundo e ficar em paz com essa atitude, pensando só em mim.
Respeitando os meus limites e vontades do começo ao fim de mais um dia nesse isolamento social, onde a rotina aqui em casa pesou bastante e exclusivamente para mim.
Ah, como eu queria!