Tantas versões de mim

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“(…) eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu.” (Lewis Caroll)

Eu sou poeta, escritora amadora nas horas vagas e, no meio da pandemia, tenho me reunido em coletivos de escrita. Um dos desafios dos últimos dias foi escrever sobre tretas do passado. O texto ou ficava fofo demais, romântico demais, direto demais, não tinha cara de treta. Qual é a cara de treta, você sabe? 

Acabei falando de uma situação muito incômoda que foi um envolvimento com um cara de esquerda que cantou minhas amigas. Quem nunca teve esse tipo na vida? Que você admira pelo discurso, mas na prática é um zé?  Na época, foi uma mistura de decepção com incredulidade. A poesia ficou ótima, mas carrega em si certo ressentimento. E fui me debruçar sobre aquele sentimento, afinal autoconhecimento, não é uma jornada fácil. 

Me deparei com uma mágoa que achei estar resolvida. O primeiro sentimento foi de me sentir trouxa. Ai pesquisei o que significa ser trouxa. E percebi que não fui. Fui apenas uma versão de mim. Recém saída de um casamento longo, vulnerável, inábil. E então me peguei pensando naquela versão. Quanto tempo durou aquela versão: aparentemente forte, mas lá no fundo, inexperiente e frágil.

A jornada que me trouxe aqui não começou lá, na separação. É impossível olhar para mim e não perceber quantas já fui e quantas ainda posso me tornar. Perceber quem fui, antes e depois: do abandono paterno, na infância; da morte da minha mãe, na juventude; do nascimento da minha filha, na idade adulta, da minha separação, na maturidade; e quantas ainda poderei ser. 

Já fui dura, conservadora, tímida, sonhadora, sempre escritora. Já fui confusa, engravidei, tive todas as dúvidas de mulher, mãe, trabalhadora e com certeza, boa parte da trajetória, falhei. Enfrentei muitos medos, eu sobrevivi. E se você me perguntar qual versão prefiro: essa que vos escreve, neste momento, bebendo suco de Kiwi. 

Sou cada pedacinho de tudo que já vivi. Sou mistura constante do que aprendi. O futuro ainda virá e sei que vou conseguir. Pois, existe uma força ancestral das mulheres que vieram antes de mim e das tantas versões que construí. Você já se perguntou quantas versões de você te trouxeram até aqui? 

“Cada tic tac é um segundo da vida que passa, foge, e não se repete. E há nele tanta intensidade, tanto interesse, que o problema é só sabê-lo viver. Que cada um o resolva como puder.”

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