Uma amiga querida me mandou essa mensagem por direct Messenger no Instagram: “Amiga, você me faz enxergar que ser mãe é muito bom. Não o fardo que muitos deixam transparecer”.
A fala da minha amiga querida, a partir de um post que eu fiz nos meus stories, em que eu estava me maquiando dentro do carro, enquanto a minha filha dormia no banco de trás me incomodou… Eu me senti desconcertada, porque fiquei pensando, onde foi que eu errei? Ao falar sobre maternidade e moda, no Instagram, será que estou sendo mais uma daquelas “mães de internet” que transparecem ter uma vida perfeita online?
Todas as semanas, ou quase todas, eu posto sobre a minha realidade como mãe e tento ser clara a respeito da minha vivência materna, sem filtros e sem romantismo.
Antes de divagar um pouco mais sobre esse tema, quero falar do meu lugar de fala. Sou uma mulher branca, bissexual, casada com um homem heterossexual, também caucasiano, que no momento trabalha de casa.
Sou funcionária pública concursada e consultora de estilo, portanto, tenho renda estável e tenho uma única filha, de 1 ano e 25 dias, no momento em que escrevo. Moro em uma cidade distante 78 km da família e minha rede de apoio é a creche da minha filha, que ela frequenta de segunda a sexta em período integral, e minhas amigas virtuais, que conheci em vários grupos maternos dos quais faço parte e em que discuto e desabafo sobre a difícil arte de ser mãe. Tenho ainda o suporte de uma diarista maravilhosa que limpa a minha casa uma vez por semana – o que é um verdadeiro alívio nas tarefas diárias.
Dito isso, quero que vocês saibam que meu esposo é 100% engajado na criação da nossa filha e que, na medida do possível, dividimos as tarefas por igual. Deste modo, sei das facilidades que tenho em relação a mães não brancas, mães solo, mães de múltiplos filhos, mães que não têm maridos participantes na criação dos filhos e nem a rede de apoio paga ou não.
Ainda assim, posso dizer com tranquilidade e sem sombra de dúvidas que ser mãe é um fardo, considerando, principalmente, o significado figurado de fardo no dicionário:
3. [Figurado] Aquilo que pesa, que é difícil de suportar (ex.: fardo das sanções econômicas; não queria tornar-se um fardo para a família). = CARGA, PESO
4. [Figurado] Aquilo que impõe responsabilidades (ex.: é um fardo ser o único ganha-pão da família).
Ou seja, a maternidade, para mim, pode ser entendida como uma série de responsabilidades de criação e cuidado de uma criança que são pesadas e difíceis de suportar, somadas às responsabilidades de ser uma adulta funcional, que tem casa, trabalho, relacionamento amoroso e tal.
Justifico minha resposta: o fardo de ser mãe é carregar sozinha a responsabilidade e o peso de gestar, parir, amamentar e nutrir um bebê por 6 meses (antes da IA) e cuidar do toda a logística de cuidados, organização, alimentação, higiene e educação, quer você tenha rede de apoio, ou não.
Ser mãe é ainda estar atenta aos sentimentos do bebê… É ser a que melhor faz o bebê dormir. A responsável pelo colo que acalenta quando o bebê está irritado, com sono, ferido, etc. Muitas vezes é carregar uma carga mental estressante: saber que dia é a consulta médica, qual o nome da pediatra, quais vacinas o bebê precisa tomar em todos os meses, como resolver a cólica, quantas gotas de remédio dar e muito mais… A mãe é sempre a que melhor faz, a que mais sabe…
E então, quando você já está esbaforida, seu companheiro diz: “ah, mas se você queria que eu fizesse era só pedir”. Para não me estender nesse tópico deixo vocês com a frase que eu li no @leticiamenezes.psi: “precisar pedir para que as coisas sejam feitas já é um trabalho” e para evitar mais um trabalho, muitas vezes a gente se cala.
Ser mãe é estar 100% do tempo disponível para o bebê, mesmo tomando banho, fazendo xixi ou cocô – atividades que passam a ser acompanhadas com olhinhos curiosos e cintilantes e mãozinhas que habilmente tocam em tudo… é um nunca mais estar sozinha.
Ainda que você não esteja fisicamente com o bebê, mesmo quando você está no trabalho, na academia, no bar ou sei lá onde, você está pensando no bebê: se ele comeu, se ele dormiu ou como está se sentido… A mãe não desliga, a mãe não descansa. Estamos sempre alertas.
Hoje eu li uma frase no @elastrabalham que tem tudo a ver com o sentimento de exaustão materna que eu, também, enquanto mãe trabalhadora sinto: “mulheres estão tão exaustas de cuidar, que trabalhar fora de casa se tornou descanso”.
Antes de ser mãe eu não suportava as segundas-feiras, que me tiravam do meu idílico oásis semanal – o final de semana. Hoje, às vezes eu sinto um pouco de ansiedade quando vai chegando às 17:00h de sexta-feira… Eu penso, “lá vem aí mais um final de semana, com a cria em casa, tendo que cuidar de tudo: louças, comida, roupas para lavar, estender, dobrar, guardar, supermercado para fazer, visitas à família e, ah é… Cuidar do bebê e deixar tudo pronto para voltar ao trabalho na segunda”.
Ufa… Falta final de semana para tanta coisa. Falta semana para tanta coisa. Faltam dias e sobram anos… Mas passa tão rápido, dizem.
Nesta grande montanha-russa que é o ser mãe de um bebê de um ano, já dá para sacar que: ser mãe é física, emocional e mentalmente esgotante! SER MÃE É UM FARDO!
E aí vocês com seus olhos ferozes de julgamento virtual vão dizer: para que você foi arrumar filho então? Se não queria, era só não ter! Vai ficar aí reclamando?
Primeiro: vou reclamar sim! E muito, e quantas vezes eu quiser. Que coisa mais feia não deixarem as mães reclamarem de suas vidas! Às vezes tudo que a gente consegue é reclamar, e alivia, sabe?
Segundo: por mais esgotante que seja a maternidade, minha filha, apesar de não planejada, foi muito DESEJADA, por mim e pelo pai. Isto é, por mais que todos os dias eu sinta o peso de ser mãe, Eu AMO minha filha com todas as minhas forças, meu emocional e o meu físico. E olha, no momento, estou escrevendo isso com muita dor nas costas, já que travei a coluna (de novo) ontem pela manhã ao abaixar para jogar uma fralda de xixi no lixo.
Por mais que a maternidade seja muito difícil (e é) eu não quero deixar de ter, por nada nesse mundo – dinheiro, tempo de vida, qualidade de vida, fama, etc. – a oportunidade que eu tenho de ser mãe e exercer esse papel para a minha filha.
Gerar e cuidar de uma criança são as coisas mais gratificantes que eu já fiz na minha vida. Ter uma filha mudou a minha vida e a minha forma de ver o mundo por completo.
Se hoje em dia eu não tenho tempo de assistir TV, se tenho que fazer minhas necessidades acompanhada, se tenho que fazer minha maquiagem (para esconder as olheiras profundas) no carro ou no trabalho, em contrapartida, eu leio mais (livros infantis e sobre educação parental principalmente), eu brinco mais, eu me divirto mais, eu saio mais para o ar livre, eu uso a minha criatividade e imaginação…
Eu sou uma pessoa muito mais positiva, muito mais animada (ainda que cansada), muito mais alegre, muito mais calma, muito mais madura e até muito mais bonita! Hoje eu me cuido, porque minha vida tem propósito (quero viver até Amora, minha filha, fazer 80 anos). Minha vida adquiriu sentido com a chegada da minha filha.
Eu me sinto uma pessoa muito melhor. Eu sou uma pessoa melhor, por causa da minha filha e por causa da maternidade.
Para concluir, queria dizer que sim, ser mãe é um fardo. Mas é um fardo que eu carrego com satisfação e alegria. Espero e luto para que outras mães também consigam carregar esse fardo com dignidade, tranquilidade e respeito.
E também torço para que nós possamos ter mulheres escolhendo de forma livre e esclarecida ser mães (ou não). Que as mulheres não sucumbam à maternidade compulsória e que tenham acesso garantido a métodos contraceptivos eficazes e gratuitos, independente do número de filhos e que tenham acesso ao aborto seguro, se assim desejarem.
Que a sociedade deixe de julgar e culpar as mães que não se sentem bem nesse papel.
Que não consideremos como fracassadas as mulheres que não puderam ser mães (por N razões).
Que a maternidade possa ser vista pelo que ela é. Sem julgamentos ou achismos.
Que esse fardo possa ser leve para todas.
Um grande abraço!
Por Marcelle Rodrigues Silva – @maenamoda_
Referências: “fardo”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/fardo.