Enquanto Psicóloga Escolar, atuando no chão da escola pública em dois municípios do Rio de Janeiro, me vejo, por vezes, como “libertadora de mulheres”, que muitas vezes, na visão da escola, deveriam ser, se vestir, se comportar e maternar segundo sua própria ótica, desconsiderando a subjetividade daquela pessoa ali. Dessa forma, acho importante relembrar o que aconteceu antes de nós, para nos lembrarmos de quem somos e podemos ser, daqui pra frente.
É importante conhecermos a evolução e transformação do papel da mulher e da criança e o lugar que ocuparam na sociedade, ao longo da história, para entendermos os conceitos e preconceitos que envolveram e nortearam as expectativas a respeito do que seria necessário fazer pela infância e avaliarmos de forma empática e mais justa sobre os comportamentos de mulheres-mães.
O ser-mãe
Há que se pensar que o ser humano nasce quase inteiramente desprovido da função de autopreservação e é, portanto, totalmente dependente da mãe. O nascimento biológico separa-o fisicamente dela, mas o seu crescimento, do lado de fora, exige a sua presença constante e atuante durante outros tantos meses, até que seja capaz, relativamente independente e seguro, de viver afastado dela.
A mãe exerce um papel específico como facilitadora não apenas do desligamento da criança, mas também da padronização da sua personalidade. Tanto que especialistas consideram um alto risco para o desenvolvimento infantil afastar as crianças de suas mães precocemente, entendendo aqui como precoce até os primeiros 3 meses de vida.
E o ser-mulher
O nascimento de um filho mistura tanto os conceitos de mulher e mãe que a história desses temas acaba sendo encontrada sempre de forma entrelaçada. Bem como a história da infância.
Na antiguidade, a mulher era considerada objeto descartável, cuja existência só era imaginada em função do homem. E quando nascia o filho, essa criança era tida como fruto de um estigma, pois representava o pecado da carne, que lhe dera origem, o “pecado original”. Sua ‘educação’ deveria ser essencialmente corretiva e disciplinadora.
Para a felicidade do lar e de todos, cabia à mulher aceitar, com amor, as artes e artimanhas de suas crias, afastando-os dos olhos de seu marido, poupando-o, assim, das preocupações e aborrecimentos corriqueiros da vida no lar para que ele tivesse o merecido descanso e paz, a fim de estar sempre pronto para a luta pela vida e manutenção da família.
O nascimento da indústria alterou profundamente a estrutura social vigente, modificando costumes dentro da família e o papel da mulher dentro de casa, e resultou em grandes mudanças com relação à proteção da criança. O mais importante para o povo era sobreviver, e a negligência e o desprezo pela infância tornaram-se aceitos como regra e costume.
Anos depois, a situação só se havia agravado. As modificações sociais verificadas em decorrência das novas estruturas de trabalho afetaram profundamente a organização familiar e provocaram o afastamento da figura materna, que passou a deixar a casa e o filho, para trabalhar fora.
Iniciou-se, assim, a dupla jornada materna, além de seu sentimento de culpa por não exercer adequadamente as funções a que fora “predestinada por natureza e instinto”.
O mito do amor materno
O “amor maternal” foi difundido e mitificado como instinto da natureza feminina ‘normal’, mas, na verdade, foi inventado e fervorosamente enaltecido pelo autoritário poder masculino, na busca de sua autopreservação.
Há que se pensar que nem todas as mulheres estão, por natureza, disponíveis, psicológica e emocionalmente, para acompanhar com prazer, carinho e paciência o seu bebê, durante todas as horas do dia, por muito tempo seguido. E não tem sentido prático cobrar da mãe a obrigação de sentir prazer em ficar com o seu filho o dia inteiro. Ninguém dá amor por coação. Muitas se sentem desencorajadas a colocar o filho na creche ou a se queixar de “cansaço” após um dia inteiro “só” cuidando da criança, devido ao julgamento da sociedade, como se esses comportamentos falassem sobre a existência (ou não) de vínculo afetivo entre mãe e filho.
Aos poucos o mito do amor materno vai sendo derrubado pela ciência; mas, apesar disso, ainda é difícil aceitar-se o fato de a mãe nem sempre ser a figura idealizada como a mais perfeita educadora de seu filho – aos olhos da sociedade.
A sociedade precisa estar consciente de que nem todas as mulheres, mesmo aquelas que podem ficar em casa sem trabalhar fora, estão geneticamente programadas para gostar de cuidar de crianças, fazer mingaus e papinhas, dar banhos ou brincar de carrinhos e bonecas 24 horas por dia. A sociedade não deve culpá-las e sim oferecer-lhes uma estrutura de amparo que lhes permita desenvolver seus interesses para depois, satisfeitas, curtirem com prazer e qualidade a relação com seu filho.
Por Ana Carolina Praça – @psi.anacarolinapraca





