Puérpera

Compartilhe esse artigo

Tic-tac… ouço o tinido do relógio, enquanto deixo os meus olhos fecharem lentamente, naturalmente, igual à foz seguindo o percurso normal do rio.

Neh…neh…ouço a bebê chorar, enquanto luto para abrir os meus olhos, pesados demais, o meu corpo cansado demais de tantas idas e vindas, os peitos latejantes. Dirijo-me ao berço, carrego docilmente a minha Ebbie, enquanto sussurro palavras inaudíveis em uma tentativa frustrada de abafar o seu choro.

Tento acordar Stuart. Já é a quinta noite em que não durmo, privara-me tanto, só queria poder descansar a cabeça no travesseiro outra vez.

A maternidade se mostrara cruel comigo até então. Qual maravilhosidade referiam-se às mulheres na rua no outro dia? (Sorrio com sarcasmo). Olho novamente para Stuart, roncando tranquilamente em seu edredom, indiferente ao choro da bebê, igual foi nas noites passadas. Mil pensamentos me vêm à mente, nenhum é positivo.

Sento-me lentamente no soalho frio, “estou cansada”, digo em voz alta, finalmente rendida, chorando, aos prantos. A bebê chora, eu choro, todas choramos.

A verdade é que venderam-nos a história do feminismo. O que nos difere das mulheres do século XV? Talvez não haja mais guilhotinas, talvez possamos trabalhar agora, embora nem todas, e talvez, só talvez, já não sejamos bruxas. Por tudo e por nada, vale dar um crédito por essa melhoria.

Mas não somos nós as bruxas do amanhã na terceira idade? Não somos nós mortas por feminicídio? Não somos nós as escravas laborais, vítimas da extrema carga horária do trabalho doméstico? Sim, dona sociedade, a senhora foi injusta com um gênero em detrimento do outro e essa mancha nem o tempo apaga.

Mordo meu lábio forçando-me a engolir meu choro e me acalmar. Estou sendo irracional, a bebê não tem culpa de nada disso, muito pelo contrário, depende de mim. Não fora eu que me prostrara infinitas vezes suplicando a Deus por um milagre? (Enxugo as minhas lágrimas com as mãos, levanto lentamente, enquanto sigo andando aos círculos com a bebê ainda em meu colo, dando palmadas gentis em seu dorso ao passo que entoo canções de ninar e, aos poucos, ela adormece).

_

Autora: Carina Mulieca / @carinadaconceicaomulieca

Compartilhe esse artigo

Leitura relacionada

Últimos Artigos

Deixe um comentário