Esta semana foi aprovado na ALESP, o Projeto de Lei n.º 293/2024 que “proíbe o uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos pelos alunos nas unidades escolares da rede pública e privada de ensino, no âmbito do Estado de São Paulo”, sob a justificativa de que o “uso constante de dispositivos móveis durante as aulas tem sido associado a uma diminuição significativa na capacidade de concentração e desempenho acadêmico, além de atuar como uma distração digital, afetando negativamente a interação social e a atenção aos amigos”.
O projeto apresenta alguns estudos sobre a redução da capacidade cognitiva, o potencial viciante dos dispositivos, além de impactos na alteração do humor, risco de problemas de saúde mental, tais como depressão, ansiedade e outros.
O tema não é novo e diversos países já restringiram ou proibiram o uso de celulares nas escolas. A França, por exemplo, restringe o uso inclusive durante o recreio desde 2018. Seguem a proibição ou restrição países como Grécia, Dinamarca, Espanha, Austrália e Suíça. Outros estão avaliando propostas parecidas ou mais restritivas, como a proibição geral do uso por menores de 16 anos.
No Brasil, principalmente nos grandes centros, os eletrônicos substituem brinquedos, chupetas ou até mesmo, a atenção dos pais. Basta estar em uma praça de alimentação em um shopping ou restaurante, para perceber que, para manter a paz e o silêncio, as telas são um artifício para conter as crianças.
Alguns pais, inclusive, usam o artifício nos veículos quando estão dirigindo. Mas não é só isso: os celulares, também são usados como uma espécie de segurança particular – ao menos na cabeça dos pais – pois os joguinhos e aplicativos, mantêm as crianças longe das ruas violentas, devido à escassez de praças, playgrounds públicos ou espaço de lazer, além de ser um ponto de contato rápido para que os pais localizem seus filhos quando estes desaparecem pela vizinhança ou, ainda, quando fazem uso de aplicativos de geolocalização para monitorar os filhos e comprovar que estão onde dizem que estão.
Um caso ocorrido em janeiro deste ano é um exemplo disso. Um adolescente de 14 anos, vítima de sequestro-relâmpago, ao sair da escola em Santo André–SP, foi encontrado pela polícia com ajuda de um aplicativo de geolocalização.
Então, como conscientizar os pais, crianças e adolescentes do contrário, quando no cotidiano, o celular é uma “benção”?
Como pedagogo, tenho que levar em consideração diversos aspectos desta questão:
- A educação básica é o momento em que estão se construindo os fundamentos sensório-motor e cognitivo da criança e adolescente. Por isso, atividades baseadas na interação, no conviver, brincar, explorar, se expressar na educação infantil são essenciais. O uso excessivo de telas restringe movimentos e interações, gerando impactos significativos no desenvolvimento de funções que garantirão o aprendizado da criança. A adolescência também é um momento crucial para o desenvolvimento, pois as alterações hormonais decorrentes da puberdade e seus impactos na saúde mental do jovem podem ser agravados devido ao excesso de tela e redes sociais. Sintomas como irritabilidade, problema com o sono, tendência ao sedentarismo podem gerar obesidade, impactando a autoestima, e, consequentemente, causar bullying, estresse, ansiedade, além de problemas de visão, como olho seco e miopia, dentre outros.
- A quinta competência geral da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) “cultura digital”, orienta o uso da tecnologia de forma crítica, consciente e responsável em todas as áreas. A lei, em seu artigo 3º, parágrafo 1º, orienta que o uso dos dispositivos está autorizado exclusivamente no período da atividade pedagógica que justifique sua utilização. Há pouco tempo, o período de pandemia obrigou crianças e adolescentes a utilizarem a tecnologia. Por dois anos os dispositivos se tornaram essenciais, não apenas para a educação, mas para o lazer e diversão também. Portanto, a proibição não estaria impedindo que as escolas e os educadores realizassem um trabalho de conscientização junto aos alunos e aos pais sobre a necessidade de um retorno ao equilíbrio do uso.
- Uso da tecnologia na educação: quando se fala de educação no Brasil, já estamos cansados de ouvir que temos escolas do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI. Há uma cobrança geral para que nossas escolas sejam mais ágeis em se adaptarem às novas tecnologias. Com os smartphones, diversos aplicativos foram criados, os quais ajudam o professor a tornar a aula mais interativa e dinâmica. Transformar um questionário em um quiz ou game nunca foi tão simples como agora. O que ainda falta para massificar essas novas tecnologias? A associação NIC.br, criada para implementar projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil, a partir de dados do Censo Escolar de 2023, aponta que, das 138.000 escolas públicas brasileiras, 53.000 não contam com internet para uso pedagógico e a velocidade das conexões, em muitos casos, é insuficiente.
- Adolescência é um período de transgressão: a lei preceitua que as escolas “deverão estabelecer protocolos para o armazenamento dos dispositivos eletrônicos durante todo o horário escolar”. Me pergunto: isso já não acontece hoje? Professores e direção, para manter o mínimo de disciplina em sala de aula, proíbem ou restringem o uso durante o período de aula. É efetivo? Não! Porque sabemos que o que é proibido nos chama mais atenção e o adolescente tem essa predisposição à transgressão, principalmente quando levamos em consideração que o uso indiscriminado e excessivo dos dispositivos se tornou rotina. E não podemos negar que o celular nos dias de hoje é uma ferramenta para a construção identitária dos jovens e a proibição o deixará fora do seu grupo.
Supondo que as escolas adotem armários para todos os alunos, quem custeará isso? Em quanto tempo as escolas deverão se adequar? Os armários ficarão dentro ou fora da sala? Se fora da sala e forem roubados, quem será responsabilizado pelo dano material?
Algumas notas explicativas da lei, que foram divulgadas por alguns sites de notícias, informam que as instituições “deverão criar soluções de armazenamento desses aparelhos” e “alunos que optarem por levar seus celulares para as escolas deverão deixá-los armazenados e assumir a responsabilidade por eventual extravio ou dano”. Faz sentido?
Será que vamos descobrir daqui a alguns dias alguma empresa vinculada a alguém importante, que fornecerá os armários para a guarda dos aparelhos, em uma ação emergencial sem licitação?
É importante frisar que nos países que adotaram tal medida, não há consenso entre os alunos sobre sua efetividade. Há quem perceba melhora na motivação e participação nas aulas por não ter a tentação de acessar redes sociais ou aplicativos durante o tempo escolar, porém, outros sentem-se violados em sua liberdade pessoal e autonomia ou, ainda, menos seguros pela impossibilidade do uso do celular para emergências. E há, ainda, os que se adaptaram à proibição sem expressar grandes opiniões sobre ela.
Por aqui, de acordo com pesquisa realizada pela Nexus – Pesquisa e Inteligência de Dados, jovens entre 16 e 24 anos são os que mais apoiam, em algum nível, a proibição, sendo 46% a favor da proibição total, enquanto 43% defendem a utilização parcial dos celulares; apenas 11% dos jovens são contrários à proibição.
Outra informação importante mapeada na pesquisa é a de não haver diferença de opinião entre quem convive ou não com crianças em idade escolar. Em ambos os perfis, 54% defendem a restrição total e 32%, a parcial, com liberação de uso apenas em atividades pedagógicas.
Na prática, será que a pesquisa se mostra eficaz?
Um portal de notícias fez uma matéria sobre como a escola judaica Alef Peretz tentou restringir o uso do celular por meio de uma pochete magnética. Como resultado, alunos sofreram crises de abstinência, manifestando desespero e como consequência, deixaram marcas nas pochetes, além de tentativa de arrombamentos. Houve até quem tentou usar o truque do “celular do ladrão”, colocando um aparelho antigo na pochete lacrada e deixando o “verdadeiro” escondido embaixo da mesa.
Em um país que, nos últimos anos virou alvo de polarização, precisamos estar atentos e deixar de lado os extremismos, pois toda nova tecnologia possui seus prós e contras. Entretanto, me parece que nesta briga, houve uma escolha por um atalho, trilhando um caminho mais rápido e simples: a proibição. O correto, sob o meu ponto de vista é analisar sob a ótica da educação.
Também se retirou a autoridade da comunidade e da gestão democrática da escola, na qual direção, professores, pais e alunos deveriam ser ouvidos e, em conjunto, avaliarem qual a melhor forma de atuar em seu contexto educacional, estabelecendo regras de uso, restrições, proibições e sanções para os que transgredirem com o estabelecido. Inclusive, impediram que educadores coloquem em prática o que diz a BNCC ao orientar o uso da tecnologia de forma crítica, consciente e responsável.
Trata-se de uma lei impedindo a consecução de outra lei, na tentativa de resolver um problema criando outro pior. Mas só o tempo dirá se essa será uma daquelas leis que existem só no papel ou se realmente produzirá algum efeito.
Sobre David Santos: David é formado em Recursos Humanos, possui pós-graduação em Psicologia Organizacional e é Bacharel em Pedagogia. É também autor do livro “A menina que já nasceu criança”.