Muito se fala sobre a importância da representação em produções de entretenimento, sobre como o mito da princesa e do príncipe encantado (geralmente representado pelas princesas criadas pelo estúdio Disney) faz mal às mulheres expostas a eles desde a tenra infância. Digo princesas criadas pelos estúdios Disney porque ele reinventa as histórias no processo e faz sempre algo diferente dos contos folclóricos da Idade Média e Moderna.
Aqui me permito um adendo importante: os irmãos Grimm, Perrault e etc, compilaram contos populares com medo de que os mesmos se perdessem com o tempo. O único realmente original dessa leva é a Bela e a Fera, da autora Gabrielle-Suzanne Barbot, uma mulher que trabalhava de governanta e era mãe. Ela muda os finais para serem felizes sempre (a pequena Sereia de Andersen morre no final assim como seu soldadinho de Chumbo e sua Bailarina que se transformam em um coração de chumbo).
Mas não é da Disney que vamos falar hoje.
É desse cara aqui:
E de suas criações que mostraram à minha filha (e a mim também) uma possibilidade de protagonismo feminino para além do ideal de princesa, sempre com protagonistas femininas de personalidades bem delineadas. Personagens que apesar do medo do desconhecido, triunfaram diante da adversidade, superando a si mesmas e suas próprias visões de mundo. Não vou citar todas as obras dele com protagonistas femininas, nem todas as obras de seu estúdio que possui uma série de protagonistas femininas interessantes. Essas são apenas algumas que minha filha e eu gostamos.
Eu tinha onze anos e adorava bruxas. Era um desenho sobre uma bruxinha que fez treze anos e para terminar seu treinamento como bruxa ela tem que passar um ano morando sozinha, lógico que eu sentei e vi. Gostei bastante. Eu era uma menina de onze anos vendo um desenho muito legal de uma bruxinha de 13 se virando sozinha para sobreviver em uma cidade diferente porque isso era parte da cultura dela. E, apesar dos perrengues e da crise identitária que a faz perder seus poderes, ela se sai muito bem nisso! O nome do filme era o Serviço de Entregas da Kiki. Agora (2017) ele está passando no Discovery Kids, aliás.
Gosto mais da Kiki que do Harry Potter.
Então, quando eu era mais velha (acho que tinha uns 14 e já fã de anime) fiquei curiosa para ver o anime que ganhou um Oscar:
O nome do filme era A Viagem de Chihiro. Era sobre uma menina que está se mudando e os pais fazem uma parada em um lugar estranho, veem uma série de restaurantes cheios de comida e nenhuma pessoa. E eles acham ok comer daquela comida. A filha deles, a Chihiro, avisa: “Não façam isso. Estou com medo, é estranho”. A resposta dos pais? “Temos dinheiro e cartão para pagar a conta filha, não tem problema”. E eles seguem comendo. Até que anoitece e eles se transformam em porcos. E quando a Chihiro tenta fugir, ela começa a desaparecer e é ajudada por um garoto chamado Haku. Ele lhe dá a seguinte instrução: “Vá até a Yubaba e peça um emprego. Mesmo que ela lhe diga não, não desista até que ela lhe dê um emprego”. Chihiro consegue o emprego e Yubaba troca seu nome para outra coisa. Mas se Chihiro esquecer seu nome, fica presa nessa realidade trabalhando para Yubaba para sempre. Com esse emprego ela poderá transformar seus pais em humanos de novo e ir embora. No meio do caminho coisas acontecem e ela precisa ajudar Haku, o rapaz que a ajudou. Ele esqueceu seu nome e é escravo de Yubaba. No fim, ela consegue salvar tanto Haku (que é um dragão) quanto os pais, que não se lembram de nada do que houve.
Então, um dia, (já mãe) resolvi que só ia colocar anime com menina protagonista no pendrive de desenhos da minha filha. A essa altura, eu já sabia quem era Miyazaki e o logo do seu estúdio de animação.
Então peguei os filmes do estúdio que eu não tinha visto ainda para nós duas descobrirmos juntas, enquanto mostrava os que eu já conhecia. O primeiro que eu nunca tinha visto era esse:
Meu vizinho Totoro. Era sobre duas irmãs: Mei (a mais nova com quem a figurinha aqui de casa se identificava) e Satsuki (a mais velha) que tem a mãe doente no hospital e terminam se mudando para uma casa decrépita no campo (não estou brincando, o primeiro diálogo delas para o pai é: “Pai, a casa é assombrada”. E ele responde: “Que ótimo, meninas! Sempre quis morar em uma casa mal assombrada!”). Nesse lugar elas terminam conhecendo um vizinho troll chamado Totoro. O filme mostra bem como é difícil para as duas terem uma mãe no hospital sem saber quando ela vai voltar para casa. Trata também da relação entre as duas irmãs, tem um momento tocante em que Mei faz questão de ir para a escola só para ficar junto da irmã e a professora permite. Minha filha adorava a abertura do desenho que tinha uma musiquinha bem bonitinha e alegre. O interessante mesmo é ver como a relação com Totoro ajuda as duas irmãs a lidar com a saudade e distância da mãe.
O segundo que vimos foi O castelo animado. Uma adaptação do livro da Diana Wynne Jones (diga-se de passagem, aluna do Sr. C. S. Lewis e do Sr. J. R. R. Tolkien), foi lançado após A Viagem de Chihiro. Na época que saiu eu queria ver, mas alguma coisa aconteceu que eu não consegui. O livro é maravilhoso e o filme também, foi a melhor adaptação livro/filme que já vi até hoje (e olha que sou chata). A protagonista da história é Sophie, a filha mais velha de um chapeleiro, que após a morte do pai se encarrega da chapelaria enquanto sua irmã mais nova vai trabalhar em uma confeitaria. Sophie é uma mulher resignada com seu destino de filha mais velha: será chapeleira e trabalhará até morrer nisso sem qualquer outra perspectiva. Até que… Um mago aparece e a salva de dois guardas que a assediam quando ela ia se encontrar com a irmã, que ao ouvir de sua experiência faz questão de dizer como magos naquele mundo são perigosos. Ela diz que sabe. Isso não impede que uma bruxa ciumenta jogue um feitiço que lhe envelhece para 90 anos só por ela ter andado com o tal mago (em defesa da bruxa: o tal mago nunca terminou formalmente o relacionamento com ela). Bem, Sophie aceita seu novo destino e resolve ir embora de casa. Nisso, ela adentra o castelo do mago, diz ser sua empregada e modifica toda a vida dele e a sua, enquanto resolve questões de Estado com o tal mago que, na verdade, só parece um fanfarrão covarde, mas até que é uma pessoa decente. Conforme ela muda sua forma de pensar sobre si e a própria vida se torna combativa e quebra o feitiço sobre si mesma. Ela salva a si e ao mago.
O próximo filme ela não tinha idade para entender, ainda assim por algum motivo, foi uma das animações que ela mais gostou e mais tempo ficou olhando. Enquanto em Totoro ela imitava a Mei e com a Kiki ela tentava voar pela casa como a bruxinha.
Princesa Mononoke, o filme de princesa que coloca os seres humanos no seu devido lugar. Tanto a antagonista como a protagonista do filme são mulheres e existe o príncipe Ashitaka que está no meio do conflito entre as duas. San foi educada por lobos, é ligada de maneira profunda à natureza, e tenta defender a floresta onde vive com sua mãe (na imagem) e seus dois irmãos. Lady Eboshi é uma mulher forte que criou uma cidade no meio do nada somente com marginalizados sociais (prostitutas e leprosos) e fez essa comunidade crescer. O que a faz entrar em conflito com a San é que o espaço que Eboshi usa e destrói para fazer enriquecer e manter sua cidade é justamente a floresta em que San vive com sua família e espíritos ancestrais. Ambas mulheres fortes e determinadas. O príncipe Ashitaka entra na história quando um javali possuído pelo espírito do ódio invade o lugar que ele mora, ataca a todos e quando Ashitaka o mata, ele o amaldiçoa e Ashitaka se vê obrigado a viajar para livrar-se da maldição do javali que eventualmente irá matá-lo. O filme mostra os conflitos entre o avanço tecnológico e natureza.
Falta falar ainda de um que é a versão da Pequena Sereia de Miyazaki.
Ponyo é uma filha de Granmamare (uma espécie de Deusa dos Mares) com Fujimoto, um mago humano. Um dia ela sobe à superfície e é salva por Sousuke e bebe de seu sangue se tornando humana. Fujimoto consegue salvá-la uma primeira vez, mas ela foge do pai para ficar junto do garoto. O pai, Fujimoto, tentando salvar a filha inunda a cidade de Sousuke e no fim Granmamare tem de intervir, pois seu marido odeia humanos pelo que fazem à natureza (tanto que ele passa pesquisando formas de como fazer a natureza retornar a ter predomínio sobre o planeta). Ao final, Ponyo tem que escolher se deseja continuar humana e sem magia junto a Sousuke ou se quer voltar para casa para junto de sua família. É baseado também na lenda japonesa Urashima Taro. Ponyo é disponível no Netflix.
Miyazaki e seu estúdio possuem outras animações com protagonistas femininas. Não falei de todas aqui, falei apenas daquelas cujos filmes minha filha gostou bastante e daquelas pertencentes à animações do Miyazaki. Existem outras, mas isso é assunto para outro post.
Para finalizar, Totoro trabalhando duro no verão.