O amor tem sotaque

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Outro dia, no parquinho, minha filha caiu. Nada grave — joelho ralado, choro rápido. Instintivamente, me levantei, já com o grito pronto na garganta: “Ai, meu Deus, cuidado, minha filha!”

Mas parei no meio do caminho.

Aqui na Suíça, ninguém corre. Ninguém grita. Os pais seguem sentados, lendo, tomando café, enquanto as crianças escalam estruturas que, no Brasil, dariam medo até em adulto. Um pai apenas levantou o polegar pro filho, que pendia de uma corda de escalada. E eu ali, com o coração na boca — e o português preso na garganta.

Criar filhos longe de casa não é só aprender um novo idioma. É desaprender o tom de voz que te ensinaram a usar. É rever o que você chama de “proteger”, “cuidar”, “educar”.

Na Dinamarca, bebês dormem do lado de fora dos cafés.
Na Austrália, o aniversário se comemora com bolo do mercado e piquenique no parque.
E, no Brasil… a gente basicamente monta uma tenda de circo, chama a família inteira e contrata um mágico. Tudo por amor.

Mas, quando seu filho, nascido em outra cultura, pergunta: “Por que a gente faz isso?”

A primeira reação é defensiva: porque sim, porque é bonito, porque é nosso.
Mas, no fundo… a pergunta dói. Dói porque é justa. Dói porque a gente também não tem todas as respostas.

A verdade é que o amor tem sotaque.
Tem ritmo, volume e cheiro.
Tem jeito de festa, de silêncio, de feijão na panela.

E, quando a gente migra, o amor continua — mas fala diferente.

A gente aprende a amar com menos palavras, com gestos mais contidos. Ou mais barulhentos, dependendo do CEP.
E aprende também que ser uma “boa mãe” ou um “bom pai” não tem tradução literal.

Tem escuta.
Tem adaptação.
E tem coragem de seguir amando com sotaque.

Autora: Jessica Gabrielzyk – @jessicagabrielzyk

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