Eu sempre quis ser mãe. Ou talvez nunca tenha refletido verdadeiramente sobre essa vontade — assim como sobre a vontade de me casar. Fui criada para namorar, casar e ter filhos.
Escrevo esse parágrafo carregando uma tonelada de culpa e com medo do julgamento, mas vamos deixar uma coisa clara antes de continuar:
-Direi verdades que muitas de nós pensamos, sofremos com elas, mas raramente dizemos , especialmente sobre maternidade e relacionamentos.
-Eu amo a minha filha. Escolhi, mesmo que não 100% conscientemente, ser mãe.
-E, como toda boa mãe, às vezes tenho vontade de sumir. (Acreditem, isso não é clichê. Todas nós sentimos isso — e somos julgadas só por pensar. Enquanto muitos pais por aí… bom, deixa pra lá.)
Me casei aos 24 anos e o passo seguinte seria, naturalmente, engravidar. Mas eu não queria. Tinha acabado de me formar, estávamos montando nosso apartamento, eu queria viajar, estudar, trabalhar. Queria ser mãe, mas não naquele momento.
O tempo passou e as cobranças vieram: “Já têm tantos anos de casados”, “Você já está com tantos anos”. Lembro que, quando adolescente — e ainda virgem —, já ouvia da família o medo de eu engravidar “antes da hora”. As mesmas pessoas que agora diziam que estava “passando da hora”. Ao que tudo indica, nosso útero é um relógio controlado por terceiros, com obrigação de gerar frutos.
Uma das maiores brigas que tive com o pai da Maria Luiza foi quando, diante da pergunta sobre o bebê, ele respondeu: “A Raphaela ainda não está pronta.” Aquela frase ficou ecoando: eu já deveria estar pronta? Como é que se prepara para isso? Por que só eu deveria estar pronta? Antes mesmo de engravidar, eu já me culpava — como se me priorizar fosse um ato de egoísmo.
Um dia entendi que nunca haveria o momento ideal — ou talvez eu apenas tenha cedido à pressão. No meio do mestrado, em meio à descoberta de uma crise de ansiedade do pai da Maria Luiza, decidi parar o remédio para engravidar. Contei empolgada a uma amiga e ouvi: “Tem certeza? Uma criança vai demandar muita atenção, e com o mestrado e as crises, talvez você tenha que cuidar de tudo sozinha.” Na hora, senti raiva. Hoje, concordo plenamente com ela — mas precisei viver para entender.
Sempre ouvi que a maternidade era solitária, mas não fazia ideia do quanto. Durante a gravidez e os primeiros dias, a casa estava cheia de visitas e apoio. E, de repente — ploft — todo mundo somiu.
Minha gravidez foi maravilhosa. Eu costumo brincar que engravidaria mais umas vinte vezes. Preparei-me para o parto, que foi ótimo, mas não me preparei nada para o que vinha depois. Talvez acreditasse naquela história de que “nasce um bebê, nasce uma mãe”. Balela. Não caiam nessa.
Depois da gestação veio o nascimento de uma bebê linda, saudável — mas que não sabia falar, nem mamar, e chorava como ninguém. E veio também uma Raphaela que não sabia cuidar, não sabia o que fazer, e, principalmente, não sabia mais quem era.
Quando Maria Luiza nasceu, eu morri e nasci de novo. Morri e senti o luto de mim mesma. Nasci junto com ela, com uma memória viva da mulher que eu era antes.
Eu sempre fui decidida, sociável, controladora, sonhadora, agitada e ansiosa. Estudar, trabalhar e ler eram meus hobbies. Ficar em casa nunca foi meu esporte favorito. E, de repente, lá estava eu: trancada, “sem trabalhar” (mas com muito trabalho nas mãos), sem estudar, sem tempo pra tomar banho, quem dirá ler um livro.
Decidida? Sei lá se era melhor deixar o bebê dormir de bruços ou de lado — cada fonte dizia uma coisa. Sociável? As visitas eram rápidas, e só agradavam quando seguravam a criança pra eu poder tomar banho. Controladora? Eu não controlava nem meus pensamentos. Sonhadora? Que egoísmo — eu devia sonhar os sonhos dela. Agitada e ansiosa – foram as únicas características que permaneceram, e minha filha herdou ambas.
Eu não era mais a Raphaela profissional, mulher, filha, amiga. Agora eu era MÃE — um ser quase celestial, que deveria ter todas as respostas e ser santa. Mas eu não tinha todas as respostas. Na verdade, não sabia nada.
Minha filha chorava e todos tinham uma solução — menos eu. Ela sentia fome e eu não tinha leite. Todos tinham uma fórmula mágica, menos eu. E mesmo seguindo todas, nada funcionava. Eu era só mãe — e não sabia ser mãe.
Quem eu era agora? Eu não era nada. Mas também não tinha vocação pra santa. Era o começo de uma nova vida — dela e minha. Mas se eu chorasse, ninguém me acolheria; me julgariam. Eu deveria ter ouvido quando disseram que eu não estava preparada. Será que algum dia estaria? Será que eu queria estar?
Eu não queria ser só mãe. Queria todas as Raphaelas de volta — e mais algumas.
Em meio a um puerpério confuso e perturbador (como todos são, mas poucas falam), uma vizinha bateu à minha porta perguntando se a criança estava bem alimentada, pois não parava de chorar. E ali nasceu o primeiro “Maternidade real informa” — um texto que começou no Facebook e virou quase um grito:
Maternidade real informa: crianças choram, elas não sabem falar.
De lá pra cá, muita coisa aconteceu. Me separei, duvidei de mim mesma, reencontrei a Raphaela profissional, filha, amiga. Me apaixonei de novo e agora, além de mãe, sou madrasta.
Os desafios da maternidade se multiplicaram por quatro: Maria Luiza, hoje com 7 anos, e meus enteados Fernanda, Marcela e Pedro — de 12, 14 e 20 — que carregam o imensurável luto de terem perdido a mãe.
O Maternidade real informa segue sendo um grito, mas também um espaço de acolhimento, humor e troca — onde outras mulheres, mães ou não, se sintam à vontade para compartilhar suas histórias reais.
E eu desejo que possamos gritar cada vez mais alto…





