Maternidade Atípica: A violência invisível por trás do cuidado

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Sou mãe de uma pessoa com deficiência. E, antes disso, sou uma mulher. Uma mulher que foi ensinada a cuidar, a calar, a suportar. Mas não a ser vista. Não a ser ouvida.

O IBGE estima que 45 milhões de pessoas no Brasil têm algum tipo de deficiência. Por trás de muitas dessas histórias, há uma mãe. Quase sempre uma mulher. Quase sempre sozinha. São elas que cuidam, acompanham, lutam, enfrentam o desconhecido. 

Dados indicam que a imensa maioria dos cuidadores de pessoas com deficiência é composta por mulheres. Mulheres que carregam, além da sobrecarga física e emocional, o peso de uma sociedade que naturaliza o abandono paterno e delega a elas, silenciosamente, toda a responsabilidade do cuidado. Exaustas, mas em movimento. Invisíveis, mas fundamentais.

Essa mãe, essa mulher, sou eu. E são tantas outras que encontro nas filas do SUS, nas salas de espera das terapias, nas reuniões escolares onde nunca se fala de inclusão de verdade. 

Somos mulheres que enfrentam jornadas exaustivas, muitas vezes abandonadas pelos parceiros, invisibilizadas pela família, ignoradas pelas políticas públicas. Somos aquelas que, mesmo com dores físicas, emocionais e mentais, continuam. Mas até quando? Não é sobre heroísmo. É sobre abuso. É sobre mães que desenvolvem depressão, ansiedade, síndrome do pânico, mulheres que adoecem em silêncio, outras morrem em vida, lentamente, sufocadas por uma sobrecarga que não escolheram carregar. Vivem cercadas, não por paredes, mas por papéis impostos, rótulos cruéis e julgamentos constantes. São acusadas de falhar, de não saber educar, de parir “pessoas defeituosas”. Carregam culpas que não lhes pertencem e dores que a sociedade insiste em ignorar.

A maternidade atípica, muitas vezes, é tratada como uma sentença. Como se, ao dar à luz um filho fora dos padrões, tivéssemos cometido um crime e nossa pena fosse carregar a culpa por não sermos suficientes, por não conseguirmos “consertar” o que a sociedade julga errado, e a solidão de quem é constantemente deixada para trás — pelos parceiros, pela família, pelo Estado. É um silêncio que nos isola, uma ausência de acolhimento que nos cala, uma responsabilidade que nunca foi dividida, mas sempre cobrada.

Como mãe do Arthur, tenho histórias para contar e feridas para mostrar. Convivo com o capacitismo escancarado e com o disfarçado. Com as portas que não se abrem, com os olhares que pesam, com os silêncios que machucam. O que mais dói, talvez, seja perceber que nosso sofrimento é sistematicamente normalizado. Porque a sociedade não quer nos ouvir. Porque a sociedade se incomoda com a nossa existência. Mas estamos aqui. Exaustas, mas vivas. Silenciadas, mas ainda falando.

Quando digo que não somos guerreiras, mas mulheres abusadas, estou denunciando. Estou rasgando o véu do romantismo que tentam jogar sobre a nossa realidade. Ser mãe atípica é lutar por uma inclusão que ainda não veio. É encarar o racismo, o machismo, a pobreza, a negligência institucional. É viver uma dor que é política. Que é estrutural.

E é por isso que escrevo. Para que nossas histórias não sejam mais abafadas. Para que outras mães saibam que não estão sozinhas. Para que nossos filhos, um dia, possam crescer em uma sociedade que os enxergue e que também enxergue quem os criou.

A invisibilidade mata. E nós, mães atípicas, já sangramos demais.


Autora: Fabíola Maciel, 52 anos, Recife-PE – @profa.fabiolamaciel

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