É um desafio ser mãe. Mãe de uma adolescente trans é desafio ao quadrado. A gente nunca sabe se está fazendo a coisa certa, incluindo este texto. A gente se pergunta: será que estou expondo minha filha à violência quando apenas cito que ela existe? Somos o país que mais mata pessoas trans.
O sentimento de uma mãe de trans, quando sabe por ela que se identifica com outro sexo, é ficar muito surpresa, é negar, achar que vai passar, que é fase, é perguntar: como não vi os sinais? Mas que sinais? A minha filha brincava com tudo o que era brinquedo, era apaixonada por transportes (carro, avião, barco, trem…), via também Frozen e era seu filme favorito. Se escondia para chorar pela sensibilidade a cenas emocionantes do filme.
A gente se pergunta: o que eu deixei passar? Como fui insensível ao não enxergar sua essência? Eu senti o luto até pelo nome que demorei mais de 30 semanas para escolher junto ao pai. Nem isso eu escolhi, então.
E os medos? Medo da hormonização (como vai ficar seu corpo?), medo dos bloqueadores fazerem mal, medo do bullying na escola, medo da violência, medo dela se segurar para não ir no banheiro público ou da escola.
E a raiva de ver pessoas, atendentes, tentando mostrar que não é de Deus e teimando em chamar pelo nome que ela não quer mais? Medo do medo.
Podem me dizer que eu preciso de terapia, e estão certos: eu preciso, já fiz, irei fazer de novo, e todas as mães de pessoas LGBTQIAPN+ deveriam ter acesso a um tratamento digno e amplo para que, auxiliadas, elas possam auxiliar seus amores.
Eu acredito que muitas pessoas descoladas não entenderiam o sofrimento de uma mãe assim, afinal, é só adotar, né? Parece tão simplório, mas não é, e não existem espaços para essas conversas.
Agora que sou psicóloga, consigo entender a disforia de gênero da Luna, compro roupas para ela, sou parte integrante do Mães da Diversidade e leio muito sobre o assunto. Sou uma mãe com bandeira, literalmente, no nome e na caminhada de vida.
Minha filha é educada, linda, e me faz ser uma mãe orgulhosa. Sou uma mãe julgada, criticada, e faço parte de uma sociedade que não aceita verdadeiramente o diferente. Então, preciso dizer que, apesar de não querer ser guerreira, nem querer lutar, a vida de mãe me convida todos os dias para este embate, e eu tento, de todas as maneiras, ultrapassar os desafios que pulam no meu colo e tenho vencido cada um com paciência, conversa e bom senso.
Por Raquel Bandeira Bertoletti – @psi.raquelbertoletti
Psicóloga Clínica
CRP 15-7513