Coluna – LADY BIRD: É preciso voar para retornar

Coluna – LADY BIRD: É preciso voar para retornar

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Quem, no mundo, melhor te conhece? Quem sabe como você gosta do seu café, do seu pão, do que você tem medo e o que te faz feliz? Quem olha para você, inteira, e te conhece dos pés a cabeça, inteirinha, talvez até aquilo que nem você sabe de si mesma?

Outro dia contei a minha filha que ela, na verdade, gosta muito de alho, embora não saiba. Mea culpa! Desde a papinha eu sempre temperei a comida dela com alho, que era para ter certeza que esse tempero não seria um problema, já que eu gosto muito. E essa não é a única coisa de que ela gosta e não sabe, mas eu sei. Assim como tenho certeza de que ela não percebe uma série de coisas sobre si mesma, manias, gostos, características bem particulares que eu sei que a constituem enquanto um ser único. Seja por um enorme senso de responsabilidade, seja por conta desse amor que brota diariamente e nos faz olhar para esses “serezinhos” como se fossem os indivíduos mais importantes da espécie humana, o fato é que nossa atenção se volta para os filhos de formas, às vezes, até difíceis de explicar.

Mas o quanto dessa atenção materna pode se converter em implicância? Em um tipo de cuidado que pode sufocar, bloquear o desenvolvimento pleno e, até, criar barreiras entre mãe e filhos?

Quando vi alguns cortes do filme Lady Bird nas redes sociais, eu tive a nítida impressão de que a filha, que se autorrenomeou de Lady Bird, vivia uma relação abusiva com a mãe. Essas cenas, que chegavam ao meu feed recortadas de dentro da narrativa, eram momentos em que a garota demonstrava sentir-se menosprezada e julgada pela mãe. Momentos em que a mãe parecia incapaz de uma palavra positiva para a filha. Eu fiquei interessada pelo filme, mas quando assisti percebi que não era bem essa a situação. Muito curioso como o contexto faz toda diferença, às vezes.

De fato, temos uma mãe que encontra dificuldades em se comunicar com a filha em uma linguagem que chamamos de comunicação não violenta, de disciplina positiva ou algo assim. Ainda muito ligada a um modelo de educação que entende ser função dos pais apontar erros dos filhos e direcionar suas ações, a mãe fala coisas a filha que parecem dizer que a garota não é suficiente. Mas em tudo que essa mãe faz, há uma atenção visceral com relação a essa filha. Todos os passos da garota são avaliados e ela tenta interferir para, nas palavras dela mesma, fazer com a filha “seja a melhor versão de si mesma”. O problema é que a garota, nessa dinâmica, sente-se sempre insuficiente e incapaz de atingir esse ideal de pessoa que a mãe parece esperar que ela seja.

Por outro lado, ao assistir ao filme todo (não apenas os cortes), é possível perceber o quanto, realmente, a garota precisa de atenção, e de orientação. Lady Bird é uma garota que quer voar para fora e para longe do ninho. O mais longe possível. Mas, claramente, suas asas ainda não estão prontas. Perdida entre a ambição por uma vida que está fora de seu alcance e as dúvidas e decepções inerentes a essa fase da vida de qualquer jovem, ela tem atitudes bastante questionáveis e antiéticas para alcançar seus objetivos.

A chave para entender a mãe, me parece estar numa fala muito curta dela, em que diz a filha (que perguntava se ela mesma nunca tinha desapontado a mãe ao deixar roupas espalhadas no quarto, sem arrumar antes de dormir) que a sua mãe era alcoólatra e ausente. Para essa mulher, estar presente, observar a filha de perto e apontar sempre que entendesse que havia algo a ser corrigido no comportamento da garota era a maior prova de amor materno que podia imaginar. Dar a filha a atenção e cuidado que ela, aparentemente, não teve.

Cristina, a Lady Bird, quer sair de Sacramento quanto antes, e ir para bem longe. Ela julga detestar o lugar onde vive, a vida que tem. Mas é confrontada pela orientadora da escola, que diz que, em sua carta de apresentação (ela busca vagas em diversas universidades nos EUA), ela demonstra amar Sacramento e a escola em que estuda, já que descreve tudo em detalhes. Quando Cristina diz que apenas prestava atenção no lugar, a orientadora responde: “e a atenção não é uma forma de amor?”

Para mim, certamente é.

O fato é que, ao estar longe de tudo que ela julgava odiar: Sacramento, a escola, a família e a casa da qual ela tem vergonha, Cristina se reencontra e percebe que sua relação com aquele lugar e aquela vida, não era bem o que ela julgava ser.

Serviço:

Lady Bird. A hora de voar. 2018. Diretora Greta Gerwig (indicada ao Oscar). Disponível na Netflix

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