Fones de Ouvido

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Tudo corria bem. Iria fazer a call no horário programado. Por mais que estivesse na rua, tinha pacote de dados, celular carregado e fones de ouvido. Não havia motivo para nada dar errado.

Me adianto: vamos encaixar os fones — mas cadê a entrada de fone? Vira, desvira, revira, tira a capinha. Nada! Estou com esse celular há pouco mais de um ano e nunca havia escutado música nele. As poucas chamadas de vídeo foram com a família, em que quem sempre deveria ser visto era o sobrinho, o neto… então nada de fones, era só no viva-voz.

Chamada de vídeo recebida. Atendo, explico o ocorrido.

Graças a Deus, ao universo ou à força que nos guia, tudo certo: temos uma nova etapa na vida profissional.

Fiquei extremamente feliz. Mas logo fui tomada por uma reflexão profunda.

Desde quando deixei de usar fones de ouvido? Quando foi a última vez que escutei minhas músicas favoritas e pude transcender, viajar, apenas sentindo a vibe do momento?

Eu não sei. Ou talvez não queira admitir que sei, sim, o exato momento.

Quando meu filho nasceu — o volume diminuiu.

Quando chegou o laudo de autismo e ele não verbalizou — ali, ativamos o mute.

Ele não tem culpa.

Eu não tenho.

Quem tem?

Mas, nesse momento, me dei conta de que, ao nos tornarmos mães, muitas vezes renunciamos a simples prazeres. Afinal, escutar a cria o tempo todo requer uma audição apurada.

Percebi que as músicas que antes eram diárias, presentes em minha trilha sonora há mais de vinte anos, pouco a pouco cederam lugar a silêncios culposos.

São silêncios que escondem a culpa que carregaríamos caso algo acontecesse enquanto nos permitimos escutar uma simples música com fones de ouvido.

A maternidade é isso: ela é culposa.

Ela te transforma e te causa certa amnésia. Quando menos se espera, você tem um déjà vu de uma outra vida, de uma outra eu.

É nesse momento que uma certa saudade tenta nos invadir, lembrando-nos de quem éramos e de quantas coisas abrimos mão em prol de outra vida.

Os crimes que cometemos na maternidade são dolosos — contra nós mesmas — e sem qualquer intenção de os ter cometido.

Vamos mudando por amor, nos deixando pouco a pouco, de acordo com a necessidade do ser a quem dedicamos um amor imensurável.

Um dia, quando esse pequeno ser humano alcançar independência, talvez deixemos de ser criminosas e libertemos aquela nossa versão que foi mantida em cativeiro por tanto tempo.

Mas a pergunta que me faço é: quando esse dia chegar, será que ainda a conhecerei — e me reconhecerei nela?

Se ela for uma completa estranha, talvez a tranque novamente… ou simplesmente a mate, cometendo o dolo.

Afinal, a maternidade nos torna criminosas.

Por Bibiane Terra – @bibianeterra

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