Dizem que eu nasci com o dom de colocar em palavras o que a mente pensa ou o coração sente. O quanto isso é verdade, eu não sei ao certo; só sei que escrever me floresce a alma.
Perdi minha mãe aos 22 anos e formou-se, assim, naquele exato instante em que sua última respiração se deu em meus braços, um buraco. Entendi o que é o nada, o vazio, aquilo que antecede o Universo, sabe?
Me disseram que esse buraco poderia ser decorado, mas jamais recomposto.
Quase 13 anos se passaram e aquela nova alma, tão frágil e, ao mesmo tempo, tão forte, deu a sua primeira respiração em meus braços e tomou para si o alimento que saiu de meu seio.
Pronto, entendi o Big Ban, o início de tudo, o preenchimento do nada, com a profundidade e completude da vida.
Foi como se todas as inseguranças que em mim se instalaram treze anos antes, toda a fragilidade, toda a automaticidade da vida que deixei tomar conta de minha existência sumissem, tão de repente quanto surgiram.
Naquele exato instante em que a vida dela saiu de dentro de mim, a minha retornou. Minha alma ascendeu e eu retomei a identidade forte, autoconfiante e audaz que um dia tive.
Não tive puerpério pós-parto, tive puerpério pós morte, de longos treze anos. Meu pós-parto foi um descortinar de uma vida que eu esquecera de viver. Me identifiquei novamente no espelho.
O sono crônico passou, o hábito de reclamar ou duvidar do futuro ficou nos braços de tempos idos.
Não pari minha filha, ela que me pariu, sem saber.
Ali percebi que a ambição de ser uma grande qualquer coisa no mundo corporativo e pautar meu sistema de amor-próprio nessas conquistas era uma fuga de mim, da minha essência. O sono e a falta de fé eram o choro da alma.
Na maternidade encontrei meu papel. No mundo corporativo, passei a encontrar um meio para viabilizar o exercício desse papel, do modo como melhor traduza a minha verdade interior. Deixei de ter um foco único e passei a ser várias e várias combinações comigo.
Não vou dizer que não haja momentos difíceis, de exaustão física, de desentendimentos…mas a vida que nasceu dentro de mim supera tudo isso.
Percebi que o meu buraco não era o nada, era um amor incondicional que deixara de ter um canal de manifestação. Um excesso aprisionado, a essência sem janela.
Vi que eu já sabia o que era ser capaz de dar a vida por alguém antes da maternidade (minha relação com minha mãe transcendia qualquer tradução em palavras).
A maternidade não me ensinou o amor, me revelou que não existe o vazio, o que existe, isso sim, é a falta de canais de amor; e amor é a matéria prima da alma. Não o amor de que tratam os poetas, mas o amor que vem de uma parte de nós que não tem nome, que é tão profunda, que ao mistério pertence.
Talvez seja isso o que chamamos de Deus ou de vida, sei lá, mas é o que eu chamo de plenitude da alma.
Autora: Ana Clara Brito, mãe, advogada e astróloga. Escrever é uma forma de desnudar a alma, de se abrir para o mundo e, ler, de receber um pouco dele. Insta: @gemini_astrologia